Dos juros à inflação, do câmbio às contas públicas, saiba como os indicadores econômicos podem impactar, para o bem e para o mal, a vida dos brasileiros.
A presidente Dilma Rousseff durante coletiva, no Palácio do Planalto (Ueslei Marcelino/Reuters)
O ano de 2014 se sobressai quando se trata de indicadores econômicos ruins. Tudo piorou: dos juros à inflação, da balança comercial ao emprego, das contas públicas à política cambial. São informações que afetam diretamente a vida dos brasileiros e precisam ser levadas em conta na hora do voto. O site de VEJA preparou uma lista que mostra como a deterioração dos indicadores pode mudar a realidade da população a partir do ano que vem.
Comprar carros não é mais tão simples. Por quê?
O governo protelou até onde foi possível, mas permitiu a subida dos juros a partir de 2012. Com os financiamentos mais caros, menos brasileiros se sentem seguros para assumir uma dívida tão alta como é a compra de um veículo. Além disso, diante do crescimento baixo da economia, os bancos se tornaram mais criteriosos na hora de conceder empréstimos, o que fez com que menos brasileiros tivessem acesso a crédito. O resultado é que as montadoras enfrentam um de seus piores anos, com queda de 9% nas vendas de veículos somente em 2014. Com isso, as fábricas passaram a demitir. O setor automotivo, que inclui também as fábricas de autopeças, é um dos maiores empregadores da indústria brasileira. Se o setor vai mal, o emprego é sacrificado. Segundo o IBGE, a indústria automotiva já demitiu mais de 8.000 funcionários até agosto deste ano.
'Governo espantou as montadoras que viriam ao país’
Presidente da chinesa JAC Motors, Sergio Habib faz um raio-X do setor automotivo após as medidas protecionistas implantadas no governo Dilma. O diagnóstico: deu tudo errado.
Ana Clara Costa
Sérgio Habib, presidente da JAC Motors no Brasil (Alex Silva/Estadão Conteúdo/Estadão Conteúdo)
O governo Dilma empreendeu um esforço hercúleo para agradar as montadoras nacionais. Desde 2011, uma série de medidas protecionistas foi implementada, como aumento de impostos sobre carros importados e exigência de uso de conteúdo nacional para as fábricas interessadas em se instalar no Brasil. Hoje, percebe-se o tamanho do erro. Mesmo com toda a bondade petista, vendas e produção despencam mês a mês. A chinesa JAC Motors vivencia como nenhuma outra os efeitos das medidas desastradas. A companhia havia anunciado a instalação de uma fábrica no Brasil semanas antes do aumento de 30 pontos porcentuais do imposto sobre produtos industrializados (IPI) sobre os carros importados, em setembro de 2011. A ideia era importar veículos ao longo de três anos para então começar a produzi-los no país. O novo IPI inviabilizou as importações e a conjuntura ruim atrasou a instalação da fábrica. Em entrevista ao site de VEJA, o presidente da JAC, Sergio Habib, lamentou a situação. “As medidas dificultaram a entrada de novas montadoras. O governo quis que o empresário se casasse com o Brasil antes de namorá-lo. E ninguém mais quer correr esse risco”.
O novo regime automotivo instaurado pela presidente Dilma, também chamado de Inovar-Auto, fracassou?
Ele não atingiu o objetivo do governo porque, em vez de facilitar, dificultou a vinda de novas fábricas ao Brasil. Tanto a JAC quanto a Chery já haviam anunciado fábricas no país antes do Inovar-Auto e antes do aumento do IPI. Mas as novas empresas não vieram. BMW, Jaguar, Mercedes e Audi já estavam no Brasil como importadoras e iam fazer fábrica, com Inovar-Auto ou sem. Já outras marcas asiáticas, como a Wulling e a indiana Tata, não vieram e não vão vir tão cedo.
Por quê? Para montar uma operação em qualquer país, primeiro é preciso ver a aceitação do produto e testar o mercado como importador. Depois de testar, ocorre o investimento. Foi assim na década de 1990 com Toyota, Citroen, Honda, Peugeot, Renault e Nissan. A Citroen importou carros durante 10 anos e só então fez a fábrica. A Peugeot, durante 9 anos. A Toyota começou a importar em 1991 e só em 1999 construiu a fábrica. Todas elas ficaram cerca de uma década importando antes de construir. Hoje, com o Inovar-Auto, você não pode importar sem ter um projeto de fábrica. Ou seja, ele exige que uma empresa se case com o Brasil antes de namorá-lo. E essa não é a lógica para nenhuma empresa. Ninguém topa. O Brasil exige do empresário um cheque de 500 milhões de reais para a construção de uma fábrica sem que ele esteja familiarizado com o mercado brasileiro. Isso não faz sentido para ninguém.
A única forma de testar é pagar o novo IPI?
Sim, mas isso é inviável. Os 30 pontos porcentuais que o governo aumentou em 2011 equivalem a um imposto de importação de 85%. Nenhum país decente pratica uma alíquota como essa. E não compensa porque o consumidor não vai pagar. A única forma de importar é por meio de cotas que o governo estabeleceu ao criar o Inovar-Auto. Mas essas cotas funcionam apenas para marcas que já estavam no país, como as de automóveis de luxo, por exemplo. Além disso, o limite de cotas é de 4 500 carros por ano, o que é insignificante para um mercado de 3,5 milhões de automóveis como o Brasil.
O que é pior para o setor: a exigência de instalação de fábrica ou as regras de conteúdo local?
As regras que regulam o conteúdo local usado na fabricação dos carros, para que se consiga um desconto no IPI, são muito retrógradas. Não é papel do governo controlar se o farol do carro que estamos usando foi fabricado no Brasil, na China ou na Alemanha. A empresa tem de comprar o farol onde lhe for mais conveniente. Mas o governo vai além: quer saber se o espelho retrovisor e até mesmo o motor responsável por movimentar o espelho são fabricados no Brasil. Por isso decidiu criar o Inovar-Peças, para estimular a cadeia de suprimentos. Mas, como controlar esse tipo de detalhe é algo dificílimo, o projeto ainda não saiu do papel.
É possível para uma montadora estrangeira recém-chegada cumprir as metas de conteúdo local?
No caso da JAC, vamos cumprir as exigências de conteúdo local não porque o governo quer, mas sim porque, no nosso caso, compensa e é possível. Agora, se sou a BMW, é óbvio que vou importar meu motor da Alemanha. Não faz sentido o governo exercer poder sobre isso. Nenhum país é bom em tudo. Se a gente quer ter um país competitivo, temos de nos especializar em algumas coisas e fazê-las bem, e barato. Quando se fecha o país, força-se as empresas a tomar decisões baseadas em decretos, em vez de bom-senso.
Os preços dos carros subiram desde a criação do Inovar-Auto, em 2012?
Nos últimos cinco anos, os preços de carros não subiram muito. Começaram a subir este ano. O que ocorreu foi que, quando a indústria de veículos passou de 2,5 milhões para 3,5 milhões de carros, os ganhos com produtividade permitiram que o aumento da produção em 1 milhão de veículos compensasse a inflação e os gastos com reajustes salariais. Agora que o mercado estagnou, a empresa tem aumento de despesa, tem de reajustar salário de funcionários, pagar o reajuste do aluguel, do preço da energia. Tudo subiu, mas a produção não. Então, agora, percebe-se o aumento de preços.
E se houvesse mais concorrência?
Seria a única forma de fazer com que os preços dos carros subissem menos que a inflação. Ou não subissem. A tendência, quando se é empresário num país fechado, é passar mais tempo em Brasília tentando defender seus interesses do que na fábrica tentando diminuir custo. E tem o custo Brasil, que piora o cenário. Levar um contêiner da fábrica da JAC de HengFeng para Shangai, na China, o que corresponde a uma distância de pouco mais de 500 quilômetros, custa cerca de 500 reais. No Brasil, transportar um contêiner de São Paulo ao Rio de Janeiro custa 1 900 reais. O nosso país está muito torto. Para compensar esse custo de logística, o dólar tinha que estar custando 8 reais.
A imagem do Brasil para o empresário estrangeiro está arranhada?
Quando trouxe a JAC para o Brasil, a intenção era importar 30 mil carros por ano por três anos, para depois construir uma fábrica com capacidade para 100 mil carros. Minha esposa, que é mineira, me disse para tomar cuidado com a ousadia. Mas eu então pensei: há muitos anos não se muda a regra do jogo no Brasil. Fernando Henrique e Lula não mudaram. Sabe o que aconteceu? Ela tinha razão. O que é uma pena, pois mudar as regras do jogo no meio da partida, conforme o placar, espanta o empresário, que acaba não investindo mais nada. O espírito animal do empresário está na toca. Quem quer investir num país onde não se conhecem as regras do jogo, onde tudo é incerto? O pior é que esse sentimento é generalizado. Mudaram as regras no setor elétrico, automotivo, de infraestrutura. E depois reclamam que poucos se interessaram pelas privatizações. Numa escala mais ampla, isso trava o país.
Por que o mercado consumidor de veículos está tão ruim? Nada afeta tanto as vendas quanto a alta dos juros e a falta de confiança no emprego. Se a montadora aumenta o preço do carro de 3% a 4%, o efeito na prestação é muito menor do que quando a Selic passa de 7,5% para 11,5%. E esse impacto é tão significativo justamente porque uma minoria compra carro à vista. Cerca de 65% são financiados. E, justamente porque são financiados, um consumidor não vai se comprometer com a compra de um bem durável caro se não tiver absoluta certeza que terá emprego para conseguir pagar as parcelas. Hoje, as pessoas estão com medo do futuro. O que muitos têm feito é trocar de carro, mas por um usado, não zero. Assim, se arriscam menos, pois gastam menos também. Como resultado, o mercado de carros usados subiu 12% em 2014, enquanto o de carros zero caiu mais de 3%.
A menor oferta de crédito também ajudou nessa piora?
Não, de forma alguma. Os bancos não estão mais restritivos hoje do que um ano atrás. O que acontece é que os juros estão mais caros e isso restringe o acesso ao bem. Há ainda a questão da inadimplência, que não é um problema de agora. Desde que a economia começou a desacelerar, três anos atrás, os bancos estão mais rígidos na hora de avaliar o cliente que pede financiamento automotivo. Não é algo que tenha começado em 2014, então não se pode culpá-los.
A Copa teve alguma influência no mercado de veículos?
Sim, e relevante. As vendas caíram 17% em relação ao ano passado. Ninguém trabalha, ninguém faz nada. No Rio de Janeiro tivemos apenas 15 dias úteis no mês. Quem consegue vender diante desse cenário? A Copa do Mundo, para quem não tem restaurante, hotel ou bar, foi terrível. Há municípios que decretam feriado em todos os dias de jogos.
Como será a estrutura da fábrica JAC no Brasil?
Está sendo construída em Camaçari, Bahia, e dois terços do negócio pertencerão aos chineses. Eu fico com um terço. Inicialmente, a participação seria o oposto, pois pegaríamos financiamento do BNDES para comprar o maquinário, pelo programa PSI. Mas mudamos de ideia. Como Brasil é caro, o BNDES dá dinheiro a taxas subsidiadas. Em vez de você ter uma taxa normal de juros, você tem uma indústria não competitiva e juros subsidiados. O problema é que mesmo assim não compensa. Um prensa fabricada no Brasil, mesmo com juros baratos, é mais cara do que uma prensa nos Estados Unidos, na Coréia ou na China. No passado, os juros do BNDES eram mais realistas, mas o banco financiava maquinário estrangeiro. A fábrica da Hyundai foi toda construída com máquinas importadas e com dinheiro do BNDES. No nosso caso, a conta não fechou. Vamos trazer máquinas de fora, inclusive da Alemanha, pagando menos. Só que o capital será dos chineses, por isso a troca de participação societária.
Os chineses estão decepcionados com o Brasil?
A maior frustração é a mudança de regra. O chinês é muito prudente, estuda o país profundamente e essas mudanças assustam. A JAC recebeu ordem do governo chinês para crescer seu negócio. Para onde eles iriam crescer? O Brasil é um destino óbvio. Agora, o governo pensa que o mercado interno é patrimônio do povo brasileiro e que tem de ser usado por empresas que estão fixadas no país. E isso faz com que a gente pague pelas ineficiências que a falta de concorrência traz. O Inovar-Auto pode até ter sido feito com a melhor das intenções. Mas não precisava disso, não precisava de decreto para convidar um empresário a investir aqui. Todos que se instalaram já tinham planos. Agora, o Inovar-Auto acaba em 2017. Qual empresa que jamais trabalhou em solo brasileiro começaria a planejar sua vinda com base num regime que termina em três anos, ainda mais se permanecer um governo que tem o histórico de mudar as regras do jogo?
Montadoras anunciam nova onda de demissões e férias coletivas.
Condições de inflação, câmbio e ambiente político estão prejudicando o desempenho do setor (Germano Luders/VEJA)
A melhora verificada nas vendas de veículos em setembro, com alta de quase 9% em relação a agosto, não trouxe segurança ao setor automotivo. As montadoras anunciaram nova onda de férias coletivas e programas de demissão voluntária (PDV), medidas que vêm sendo adotadas desde o primeiro trimestre do ano.
A General Motors (GM) abriu na quarta-feira novo PDV para trabalhadores das fábricas de São Caetano do Sul e de São José dos Campos (SP), mas não divulgou metas. A empresa já tem 930 funcionários de São José em lay-off (suspensão temporária de contratos). Ford, Renault e Volkswagen vão dar novos períodos de férias coletivas e licenças a partir de sexta-feira.
No mês passado foram licenciados 296.300 automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus, resultado 8,7% melhor que o de agosto, mas 4,3% inferior ao de setembro de 2013. No acumulado do ano, as vendas somam 2,78 milhões de veículos, queda de 9,1% em relação a igual período do ano passado.
"As condições de inflação, câmbio e ambiente político ainda não permitem afirmar que a melhora verificada em setembro será contínua, e prova disso é o fato de as fabricantes continuarem a adotar medidas de corte de produção", diz Ricardo Pazzianotto, sócio da PriceWaterhouseCoopers (PwC). "Não há segurança por parte da indústria de uma retomada de mercado."
A Ford interromperá de sexta até o dia 13 toda a produção de automóveis e caminhões da fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Os dias parados serão descontados no banco de horas (sistema de compensação de horas trabalhadas) dos 3.500 funcionários que serão dispensados.
A Volkswagen dará férias coletivas de vinte dias a partir de meados do mês para cerca de 1.000 funcionários do primeiro turno da unidade de São José dos Pinhais (PR). Na segunda-feira, um grupo de 400 funcionários volta do lay-off após cinco meses, e outro grupo de 150 pessoas continuará em casa até o fim do mês.
"Não vemos sinal de melhora e é possível que, após o fim das férias coletivas outras medidas sejam adotadas, como novo grupo em lay-off ou mais férias coletivas", afirma Jamil Davila, do Sindicato dos Metalúrgicos de Curitiba e região. Também no Paraná, a Renault dará férias a 3.000 trabalhadores (de um total de 6.500) das linhas de carros e motores entre os dias 13 e 22.
A empresa alega necessidade de reduzir a produção por causa da queda das exportações para a Argentina e a baixa demanda no mercado brasileiro. No período, 10.000 automóveis e 12.000 motores deixarão de ser produzidos, segundo a Renault.
A Mercedes-Benz estuda prorrogar por mais cinco meses o período de lay-off de 1.200 operários suspensos desde julho e que deveriam voltar em novembro.
Promoções - Na opinião de analistas, o melhor desempenho verificado nas vendas em setembro se deve em parte às promoções feitas pelas fabricantes e revendas e ao fato de o mês ter um dia útil a mais que o anterior.
Só as vendas de automóveis e comerciais leves somaram 282.800 unidades, 9% a mais que em agosto, embora 3,9% inferior às do mesmo mês de 2013. De janeiro a setembro o segmento vendeu 2,4 milhões de unidades, 8,8% a menos que no mesmo intervalo de 2013.
Pelo quarto mês seguido, o Fiat Palio foi o automóvel mais vendido no país, com 15.907 unidades, seguido por Onix, da General Motors (13.483) e Volkswagen Gol (12.583). No acumulado do ano, o Gol segue como líder, com 134.729 unidades vendidas, 5.964 à frente do Palio, com 128.765, segundo dados da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave).
As vendas de motos cresceram 7,65% em setembro ante agosto, para 119.842 unidades. No ano, a queda acumulada é de 5,26%, com 1.069.898 unidades.
Com crise no setor, Brasil cai para 6º lugar em venda de veículos
A Grã-Bretanha, com um crescimento de 8,8% nas vendas, assumiu a quinta colocação em junho, com 259.003 veículos vendidos
Linha de montagem na fábrica da General Motors em Glórinha, no Rio Grande do Sul (Jefferson Bernardes/VEJA)
O Brasil perdeu uma posição no ranking mundial de venda de veículos em junho, mostra levantamento realizado pela consultoria Jato Dynamics. Em junho, época de uma série de feriados por conta da Copa do Mundo, as vendas no Brasil caíram 17,3%, para 250.651 veículos. Dessa forma, a Grã-Bretanha, com um crescimento de 8,8% nas vendas, assumiu a quinta colocação em junho, com 259.003 veículos vendidos.
No acumulado do primeiro semestre, o Brasil se manteve na quinta colocação, à frente da Grã-Bretanha. Nos seis primeiros meses do ano, as vendas de veículos no Brasil caíram 7,3%, para 1.582.711 veículos.
A primeira colocação no acumulado do ano continua com a China, com 10.152.548 veículos vendidos. Logo em seguida aparecem EUA (8.160.704), Japão (2.972.807) e Alemanha (1.643.396). Os números da China levam em conta apenas veículos de passeio, enquanto para o restante dos países são incluídos carros e comerciais leves.
Entre as marcas, a Toyota manteve a liderança de vendas. Com um crescimento de 1,74% no primeiro semestre, a companhia registrou 3.251.286 veículos vendidos. Logo em seguida aparecem Volkswagen e Ford, com crescimentos de 2,51% e 2,14%, respectivamente.
(Com Estadão Conteúdo)
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