domingo, 17 de julho de 2016

Sem reformas, nem o papa salva o Brasil.

Para o ex-diretor do BC Luiz Fernando Figueiredo, país voltou para o caminho certo, mas não pode relaxar.
SÃO PAULO – Se há algo que não se discute em relação ao governo de Michel Temer, é a qualidade da nova equipe econômica. Mas não adianta nada escalar um time de craques se a política embolar o meio de campo. “O governo pode contar até com o papa na equipe: se não aprovar o que precisa no Congresso, nada será resolvido”, afirma Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor de política monetária do BC e fundador da Mauá Capital, que gerencia uma carteira de investimentos de R$ 2 bilhões.
Em entrevista a O Financista, Figueiredo afirma que o Brasil superou o cenário binário do início do ano — Dilma ou Temer — e voltou ao caminho correto. Agora, o debate é em torno das medidas necessárias. Mais: o cenário global de juros baixos ou negativos vai aumentar o apetite dos investidores por ativos mais arriscados – como o Brasil. Mas o país pagará um preço por esse sucesso. “Teremos, sim, um câmbio mais apreciado no curto prazo, quer desejemos, quer não.”
Leia a seguir os principais trechos da conversa:
O Financista: Com o afastamento de Dilma e a presença de Temer na Presidência, ainda que interinamente, já superamos o cenário binário?
Luiz Fernando Figueiredo: Há um baixo risco de acontecer um acidente que acarretaria um sinistro muito grande. Então, acho que sim. Já saímos do cenário binário. Estamos diante de um governo com uma base grande no Congresso. Um governo que trouxe uma racionalidade muito grande, não só na macroeconomia, mas também na microeconomia. É praticamente uma faxina em tudo o que se fez de errado nos últimos anos. Com isso, estamos saindo de um ciclo vicioso muito dramático e entrando em um virtuoso. Mas como ficamos muito tempo no buraco, vai demorar um pouco para sair. E temos outra questão: antes da aprovação definitiva do impeachment no Senado, o governo não consegue produzir tudo o que pode.
O Financista: O mercado critica muito as idas e vindas de Temer. Isso é efeito da interinidade ou a tônica do seu governo?
Figueiredo: A interinidade é chata, porque gera uma certa fragilidade do governo, mas tenho bastante confiança de que é transitória. O governo tem um mês e pouco. Os agentes entendem que dá para esperar outro tanto, até o impeachment. Porque, se a Dilma voltar, vai desarranjar muita coisa. Então, o pessoal prefere esperar um pouco para entrar completamente no barco. Mas eu tenho poucas dúvidas de que o impeachment vai acontecer. O governo, que tem uma base muito expressiva, sabe que essa questão precisa ser superada para consolidar todo seu poder de fogo e avançar em questões mais espinhosas. Falamos muito da reforma da Previdência, mas ela só irá para o Congresso depois disso. A própria questão trabalhista, que hoje é um problema enorme para o Brasil...
O Financista: Qual é o timing para que Temer comece a apresentar resultados concretos, após o impeachment?
Figueiredo: Isso será um processo: mandar a reforma do teto de gastos, começar a tramitação pelas comissões, ir a plenário. O problema é que estamos partindo da estaca zero. Não há uma inércia a nosso favor. As coisas precisam começar a andar, porque são todas relevantes, mas há outras questões pelo caminho: Olimpíada, eleições municipais... Tudo isso atrasa a agenda. Então, estamos assim: temos um carro muito bom, mas andando em uma estrada de terra com buracos. Ainda não chegamos ao asfalto. O que todos estão vendo são coisas muito boas. A discussão agora é de velocidade.
O Financista: O novo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já disse que é contra aumentar impostos. Quão importante é esse aumento para o ajuste fiscal?
Figueiredo: O aumento de impostos não é apenas necessário, mas inevitável. É preciso ver qual imposto será menos danoso, mas terá de ser feito. O buraco fiscal é muito grande. As reformas estruturais garantirão que a economia avance. Mas a velocidade e o ponto de largada em que estamos são muito ruins. Então, mesmo que temporariamente, é necessário aumentar impostos. Só para se ter uma ideia, nos últimos dois anos, perdemos mais de 2 pontos percentuais de arrecadação sobre o PIB. Não é pouco. É claro que uma parte da recomposição de receitas virá do fato de a economia sair da recessão, mas é preciso fazer uma ponte. Eu não acho que, se for completamente necessário o aumento, Maia vai se opor. Até porque o presidente da Câmara não tem tanto poder para dizer o que os deputados vão votar. Ele não pode impor a própria agenda. E ninguém está fazendo isso porque quer: é porque não tem jeito.
O Financista: O governo terá, efetivamente, força para aprovar a reforma da Previdência?
Figueiredo: Acho que sim, porque a força do governo é crescente. É um governo que começou provisório, num ambiente péssimo. Neste início, já conseguiu aprovar várias coisas para estabilizar a economia. Você já vê todos os índices de confiança melhorando, sinais de que estamos saindo do processo recessivo. É possível que, na margem, a economia já cresça no fim deste ano ou começo de 2017. Estamos em um ambiente menos volátil e mais racional. O governo vai gradualmente se firmando. Os nomes da área econômica são de primeiríssima qualidade. Então, a base vai se consolidando.
O Financista: Com Meirelles na Fazenda e Ilan no BC, você vê juros mais baixos no longo prazo?
Figueiredo: Eu disse que o time é de primeiríssima categoria, mas há limites. O governo pode contar até com o papa na equipe: se não aprovar o que precisa no Congresso, nada será resolvido. A equipe econômica é uma parte importante do processo, mas o condão mágico é a aprovação dessa agenda de reformas.
O Financista: Como você avalia a gestão do câmbio, nestes primeiros dias da nova diretoria do BC? Os empresários, por exemplo, já reclamam que o dólar caiu muito.
Figueiredo: O câmbio nunca é causa de nada. Ele é consequência. Como a situação econômica piorou muito nos últimos anos, o Brasil teve de manter juros altíssimos, num cenário externo em que as taxas são nulas ou negativas. Quase 50% dos ativos em todo o mundo pagam juros negativos, o que é uma coisa maluca, mas é a realidade. Então, quando se tem um país com uma solidez externa muito grande, como o Brasil, e que passou a andar na direção correta mas com juros altos, é natural que venha um grande volume de recursos para cá. E é natural que a taxa de câmbio aprecie, mesmo que temporariamente. O que o BC está fazendo? Diariamente, recomprando os swaps. E o dólar tem apreciado. Então, você não consegue atuar numa velocidade que impeça uma apreciação relevante do real, porque há medidas que precisam ser aprovadas para permitir baixar os juros. Esse processo é muito longo. O nosso sucesso vai trazer, sim, uma taxa de câmbio mais apreciada no curto prazo, quer desejemos, quer não.
O Financista: O dólar pode chegar a que valor?
Figueiredo: Pode ser R$ 3,00, eventualmente abaixo disso.
*Por Márcio Juliboni, via O Antagonista

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