Já
que a grande mídia e a intelligentsia se
esforçam em festejar o assistencialismo a despeito de seus efeitos colaterais,
torna-se pertinente recorrermos ao testemunho de um profissional que vive e
trabalhou dentro desse ambiente de “fraternidade” estatal.
Theodore
Dalrymple é um psiquiatra inglês que trabalhou por muitos anos em presídios e
hospitais de bairros pobres da Inglaterra e da África. Em seu livro A Vida na Sarjeta ele relata suas
experiências expondo a degradação moral e existencial da maioria dos
beneficiados pelas políticas de bem-estar social de seu país, as quais, assim
como no Brasil, dividem a sociedade em dois grupos de cidadãos: Um que só tem
deveres e outro que só tem direitos.
Dalrymple começa
nos lembrando que ao longo do último século o pobre deixou de ser alguém sem as
mínimas condições de sobrevivência para se tornar um cidadão que apenas não tem
o que os mais ricos têm; “pobres” que, em sua maioria, desfrutam de
“comodidades e confortos que dariam inveja a um imperador romano ou a um
monarca absolutista”, em suas próprias palavras. Tal percepção faz com que o
psiquiatra aponte como a verdadeira pobreza de nosso tempo a total ausência de
responsabilidade das pessoas beneficiadas pelos programas de bem-estar social.
A luta pela subsistência, que confere orgulho e responsabilidade ao homem, vem
sendo substituída pela tutela estatal que oferece tudo a todos que se
apresentam como pobres independentemente da conduta de cada indivíduo, criando
uma classe de pessoas depressivas, ingratas, arrogantes e sem interesses além
dos prazeres das drogas, do sexo e do crime.
No decorrer do
livro, o psiquiatra não traz apenas dezenas de casos que representam os dramas
cotidianos da população que vive à custa dos programas sociais, mas também os
relaciona com as teses socialistas sobre educação, liberdade sexual, juízo de
valores e criminalidade.
Na educação,
Dalrymple comenta o esforço dos trabalhistas em desvalorizar o conhecimento da
língua inglesa como forma de interromper o avanço do “imperialismo cultural
burguês” e também a política oficial de que o aluno deve ser preservado de
quaisquer constrangimentos, tais como notas baixas ou punições por
indisciplina. Ele cita o caso de um colégio onde os professores são proibidos
de fazer mais do que cinco correções por prova.
As “boas
intenções” socialistas simplesmente tiraram dos professores a função de ensinar
qualquer coisa que possa mostrar que alguns alunos são mais inteligentes que
outros. O professor foi rebaixo a um mero agente recreativo. O incentivo ao
interesse pela matemática e por outras ciências nas escolas dos bairros mais
pobres foi substituído por atividades que supervalorizam a cultura desses
bairros. O resultado disso são jovens semianalfabetos, que não conseguem
sequer preencher formulários e fazer operações matemáticas básicas (continuo
falando sobre a Inglaterra), o que desqualifica profissionalmente essa parcela
da população enquanto concentra o estudo científico e da alta cultura nas
escolas dos bairros mais ricos.
Dalrymple relata
também os resultados das políticas de incentivo à liberdade sexual, as quais
favoreceram os impulsos masculinos em prejuízo da dignidade das mulheres mais
pobres, condenando crianças a vidas preenchidas pelo medo e pela violência.
Quando se une
uma educação desleixada à política de que uma pessoa, simplesmente por ser
pobre, não precisa ter responsabilidades, automaticamente se inicia um ciclo
vicioso que pode ser resumido a mulheres tendo diversos filhos de pais
diferentes, cada um deles igualmente irresponsáveis e/ou viciados em drogas,
que invariavelmente utilizam-se da violência como forma de estabelecer
propriedade sobre as mulheres ou mesmo para dar vazão a seus desvios
comportamentais, tudo, por terem a certeza de que tal comportamento lhes
garante os benefícios dos programas assistenciais.
Um procedimento
padrão dos agressores é tomar uma intencional overdose de
drogas ou de pílulas logo depois de cometem suas violências, pois isso os
qualifica, perante as leis de bem-estar social, como doentes, não como
criminosos; sendo doentes, recebem uma dúzia de benefícios do governo,
incluindo a liberdade. Isso explica a absurda reincidência de violência contra
as mulheres, resultando também na morte de muitas crianças fruto de relações
totalmente desprovidas de valores morais.
Essa realidade
está intimamente ligada à política de não manifestação de juízos de valor, tão
defendida pela esquerda − não há certo ou errado, há apenas “diferenças”.
Quando as
pessoas são qualificadas em grupos, o caráter e a conduta de cada indivíduo
perde importância, o que cria as piores injustiças. Enquanto uma parcela dessa
população pobre luta por uma vida digna e independente por meio do trabalho, a
outra parcela abraçada pela benevolência estatal curte a vida desrespeitando e
violentando uns aos outros despudoradamente. Dalrymple cita um pedido padrão de
seus pacientes: Que ele faça relatórios apresentando-os como dependentes
químicos, com histórico de overdosesou
como viciados em jogos; no caso das mulheres, que lhes sejam conferidos laudos
de que fizeram diversos abortos, que tiveram namorados violentos, que também
são viciadas em drogas e jogos etc. “Em nenhum caso alguém me pediu que
escrevesse que é um cidadão decente, trabalhador e honrado”, relata o
psiquiatra, comprovando a percepção das pessoas atendidas pelos programas
sociais de que os desvios de comportamento lhes conferem muitas vantagens.
No combate ao
crime os absurdos não são menores. Os indivíduos mal intencionados e
identificados pelo Estado como sendo pobres ou negros ou imigrantes sabem que a
lei lhes concede tratamento especial, sabe que a polícia preocupa-se mais com a
opinião da intelligentsia do
que com a criminalidade, por isso praticam os mais diversos tipos de “pequenos
crimes”, tais como depredações, furtos e agressões. A delinquência desses
jovens tornou-se cultura, cujas vítimas são seus vizinhos pobres, porém,
honestos e trabalhadores. Mais: Overdoses também
são recursos utilizados sistematicamente na véspera de audiências em tribunais
e na véspera do primeiro dia de trabalho, o que lhes garante a conivência da
justiça numa situação e mais alguns meses de seguro desemprego na outra.
Assim como no
Brasil, os delinquentes ingleses pegos em flagrante sempre apresentam-se como
vítimas do capitalismo, do racismo etc, quando, na verdade, eles optam pela
vida que levam, o que é comprovado, segundo o psiquiatra, pelos tantos casos de
irmãos que mesmo tendo sido criados sob as mesmas circunstâncias, optam por
caminhos diferentes.
A conclusão que
chegamos ao ler o livro não se resume à percepção de que a política de
bem-estar social cria uma geração de pessoas improdutivas e/ou autodestrutivas,
mas também que tal política inviabiliza a caridade privada, cujas ações sempre
são muito mais justas e eficientes do que os programas de grande escala
realizados pelos governos.
A Vida na Sarjeta, de Theodore
Dalrymple, compõe a longa lista dos livros que os socialistas se recusam a ler.
*Por João Cesar de Melo
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