quinta-feira, 12 de julho de 2012

Bolívia: A república da cocaína.

Um relatório policial revela o encontro de um traficante brasileiro com o número 2 do governo boliviano.
O presidente da Bolívia, Evo Morales, orgulha-se de ser um incentivador das plantações de coca, a matéria-prima de mais da metade da cocaína e do crack consumidos no Brasil, sob o argumento de que as folhas servem para produzir chás e remédios tradicionais.
Apenas um terço da coca plantada em seu país, contudo, atende a essa demanda inofensiva, segundo estimativa das Nações Unidas.
O restante abastece o narcotráfico e, como consequência, contribui para corroer a vida de quase 1 milhão de brasileiros e de suas famílias.
Agora, surgem evidências de que a cumplicidade do governo boliviano com o narcotráfico vai além da simples defesa dos cocaleros, os plantadores de coca.
VEJA teve acesso a relatórios produzidos por uma unidade de inteligência da polícia boliviana que revelam, entre outros fatos, uma conexão direta entre o homem de confiança de Evo Morales, o ministro da Presidência Juan Ramón Quintana, e um traficante brasileiro que atualmente cumpre pena na penitenciária de segurança máxima em Catanduvas, no Paraná.
Um dos documentos, intitulado Apreensão de Fugitivo Internacional e assinado com o codinome Carlos, descreve como os agentes bolivianos identificaram a casa do brasileiro Maximiliano Dorado Munhoz Filho, em 2010.
Max, como é chamado, e sua gangue possuíam fazendas em Guajará-Mirim e em outras oito cidades de Rondônia, onde recolhiam a droga arremessada por aviões bolivianos.
Por mês, o bando de Max interceptava 500 quilos de cocaína, que depois eram levados para São Paulo e Rio de Janeiro.
O traficante fugira da cadeia de Urso Branco, em Rondônia, em 2001, e suspeitava-se que estivesse escondido na Bolívia.
De fato, ele mantinha um imóvel na Rua Chiribital, esquina com Pachiuba, em um bairro nobre de Santa Cruz de la Sierra.
No dia 18 de novembro de 2010, às 2 da tarde, os policiais que vigiavam o imóvel presenciaram uma cena bombástica.
Quintana, hoje o segundo homem mais poderoso da República, apareceu na companhia de Jéssica Jordan, de 28 anos, famosa no país por ter sido eleita miss Bolívia apenas quatro anos antes.
Ambos tinham, então, cargos de confiança em órgãos estatais. Quintana era diretor da Agência para o Desenvolvimento das Macrorregiões e Zonas Fronteiriças. Jéssica, cinco meses antes, fora indicada pelo vice-presidente Álvaro García Linera para o posto de diretora regional de Desenvolvimento no estado de Beni, departamento que faz fronteira com Rondônia e por onde entra no Brasil boa parte da droga boliviana.
Quintana e Jéssica entraram na casa de Max de mãos vazias e saíram de lá vinte minutos depois com duas maletas 007. Não se sabe o que havia nelas.
Dois meses depois do encontro com os integrantes do governo de Morales, Max foi detido em uma operação conjunta da Polícia Federal brasileira com alguns membros escolhidos a dedo no serviço de inteligência boliviano e levado ao Brasil.
Quintana, por sua vez, foi nomeado por Evo Morales no ano seguinte para comandar a Pasta da Presidência, o equivalente à Casa Civil brasileira, posto que ele já havia ocupado entre 2006 e 2009.
O relatório do agente Carlos sobre o encontro entre os membros do governo e o traficante brasileiro faz parte de uma série de documentos vazados para a imprensa boliviana e americana por um político do Movimento ao Socialismo (MAS), o partido de Morales.
Para o autor do vazamento, o governo não cumpriu a promessa de melhorar a vida dos pobres e indígenas da Bolívia. Evo Morales venceu duas eleições presidenciais propagando-se como um candidato defensor dos índios. A maioria deles, porém, está insatisfeita.
Desde que Morales tomou posse, houve um aumento de 22% na área de cultivo de coca no país.
Enquanto a Colômbia, que nos anos 80 cultivava e refinava 90% da cocaína consumida no mundo, combateu os cartéis e reduziu a produção, a Bolívia e o Peru viram sua participação nesse mercado crescer.
Hoje, respondem por metade das drogas derivadas das folhas de coca. Fábricas de cocaína, que até então não existiam na Bolívia, começaram a aparecer às centenas. Cartéis colombianos, mexicanos e o PCC brasileiro operam no país. Ao verem o crescimento do crime organizado e as portas da política fechadas para seus representantes, indígenas e sindicalistas passaram a criticar abertamente Morales.
No mês passado, policiais entraram em greve por melhores salários. Há duas semanas, uma nova marcha de indíos chegou a La Paz para impedir a construção de uma estrada em um parque ecológico indígena, o Isiboro Sécure.
O projeto, que liga "dois povoados sem povo", segundo os bolivianos, visa a abrir uma nova fronteira para a plantação de coca, pois a produtividade na região vizinha do Chapare, o principal reduto de Morales e onde 90% das folhas viram droga, está em queda.
Quintana — olha ele aí de novo — não se cansa de atacar os índios contrários à estrada, ao mesmo tempo em que defende os cocaleros.
Ex-militar, ex-araponga que recebeu treinamento americano e ex-assessor do ministro da Defesa do presidente Hugo Banzer (1997-2001), Quintana também é o autor de algumas das declarações mais antiamericanas do governo Morales.
Atribui-se a ele a ideia, acatada por Morales, de expulsar do país os agentes da Drug Enforcement Administration (DEA), o órgão americano de combate ao narcotráfico que pagava a gasolina e parte do salário dos policiais bolivianos do setor de entorpecentes.
Não é de estranhar que essa medida tenha saído da cabeça do homem que divide com o vice-presidente Álvaro García Linera a tarefa de administrar as relações do governo boliviano com o presidente venezuelano Hugo Chávez.

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