domingo, 14 de setembro de 2014

O segundo escalão do "esquema" no Governo petista.


SEGUNDO ESCALÃO O doleiro Alberto Youssef. De acordo com Hermes Magnus, ele estava um degrau abaixo  de Janene na hierarquia  do esquema  (Foto: Joedson Alves/Estadão Conteúdo)
O doleiro Alberto Youssef. De acordo com Hermes Magnus, ele estava um degrau abaixo de Janene na hierarquia do esquema (Foto: Joedson Alves/Estadão Conteúdo)
Magnus começou a contar o que sabia à Polícia Federal ainda em 2009, quando o escândalo de corrupção na Petrobras ainda era desconhecido. Concluiu a história com riqueza de detalhes no depoimento de julho passado. Ele parece ter credenciais para falar. A Operação Lava Jato teve início justamente a partir da investigação sobre um negócio de Magnus com Janene. De acordo com o MPF, Janene lavou dinheiro do mensalão ao investir parte da quantia recebida na Dunel Indústria e Comércio, fabricante de componentes eletrônicos que pertencia a Magnus. Janene usou a empresa de fachada CSA Project Finance, uma sociedade mantida pelo doleiro Youssef, para aplicar R$ 1,16 milhão dos R$ 4,1 milhões que ganhara no mensalão na Dunel. Isso ocorreu em julho de 2008.
Era mais um golpe aparentemente perfeito idealizado por Janene. Magnus tinha as características de vítima ideal para operadores experientes do mercado negro. Sua firma de eletrônicos automotores precisava de dinheiro para crescer, e ele buscava um investidor. Janene e Youssef estavam atrás de uma oportunidade para esquentar dinheiro frio de corrupção. O primeiro encontro com Magnus foi em junho de 2008, na sede da CSA, em bairro nobre de São Paulo. Acompanhado de Youssef, o afável Janene – já ex-deputado – chegou abraçando afetuosamente o futuro sócio, ou melhor, a futura vítima. O doleiro e o mensaleiro traziam soluções rápidas e práticas, quase um sonho para quem precisava de uma injeção de capital.  “Olha, podemos viabilizar seu negócio: se quiser dinheiro do Estado do Espírito Santo para cima, tenho a opção do Banco do Nordeste. Se não quiser se meter com banco, temos uma solução mais tranquila, um recurso nosso. Se quiserem, coloco 1 milhão de início”, disse Janene.

As imagens do depoimento obtidas por ÉPOCA mostram que, no momento em que Magnus conta essa história, Youssef senta-se ao lado do advogado dele e, apontando para Magnus, reclama: “Ele está mentindo, ele é mentiroso”. O juiz Sérgio Moro, que ouvia Magnus, interrompe Youssef. Ele só se cala quando é ameaçado por Moro de ser retirado da sala. Em pouco tempo, Magnus foi alijado da Dunel e virou, como ele mesmo se definiu, uma espécie de zumbi na firma. Os equipamentos encomendados não chegavam, e a produção emperrava. Ao consultar um advogado, Magnus descobriu que estava  no meio de uma trama de lavagem de dinheiro. Resolveu procurar a PF para contar o que sabia. Afirma que Janene o ameaçou de morte e que, na época, um incêndio misterioso destruiu uma casa dele.

Youssef, mais uma vez, se deu bem. Lavou o dinheiro para Janene e, ainda naquele ano de 2008, estreitou relações com Paulo Roberto, o executivo dos grandes contratos da Petrobras. Mal se livrara de uma condenação a sete anos de reclusão graças a uma delação premiada, Youssef reincidia em sua especialidade, a lavagem de dinheiro. Tinha o amigo e sócio Janene como cliente. Juntos, tinham um hotel, uma agência de viagens em Londrina e uma locadora de automóveis. A proximidade da dupla ia além dos negócios. Os dois se visitavam e se tratavam pelos títulos de compadre e padrinho. “Youssef chegava à casa de Janene e era padrinho pra cá, padrinho pra lá... Compadre pra cá, compadre pra lá. E era muito íntimo na lida das coisas”, afirmou Magnus à Justiça Federal. Numa dessas reuniões, Janene prometeu pagar o que chamou de “lua de mel” na Europa para Youssef e a mulher. Em seguida, explicou a ele o motivo da generosidade: “Ela só não pode pensar que você vai fazer aqueles câmbios para mim na França. Não deixe ela sonhar que você está fazendo isso”.
 
DEBOCHE O empresário Hermes Magnus. Segundo ele, Janene zombava de deputados que procuravam diretores da Petrobras sem sua intermediação (Foto: Reprodução)



O empresário Hermes Magnus. Segundo ele, Janene zombava de deputados que procuravam diretores da Petrobras sem sua intermediação (Foto: Reprodução)
Os desvios de dinheiro por meio de contratos superfaturados na Petrobras identificados até agora ocorreram de 2009 a 2014. A morte de Janene por infarto, na fila do transplante de coração, em 2010, não interrompeu a afinada e conveniente parceria entre Youssef e Paulo Roberto. Ao contrário, os laços ficaram ainda mais estreitos. Durante a Operação Lava Jato, a PF interceptou e-mails recebidos por Youssef. Uma das mensagens veio de um ressentido João Claudio Genu, ex-chefe de gabinete de Janene e um dos condenados do mensalão. Genu expressava seu “inconformismo” com a aproximação de Youssef e Paulo Roberto. Aparentemente, àquela altura, o doleiro e o diretor da Petrobras tinham estabelecido uma linha direta, sem intermediários, e Genu perdera seu quinhão no esquema. Paulo Roberto se tornara milionário. A Justiça descobriu que ele mantinha R$ 51,3 milhões em 12 contas secretas na Suíça.

O depoimento de Magnus reitera uma conclusão: o mensalão e o escândalo da Petrobras são dois esquemas distintos, mas com métodos, causas e consequências semelhantes. A causa é o fisiologismo: garantir apoio no Congresso usando cargos que deveriam ser preenchidos por critérios estritamente técnicos. O método: desvio de dinheiro público para financiar campanhas ou enriquecer os políticos envolvidos. A consequência: corrupção. Com a descoberta do mensalão, em 2005, quando o primeiro mandato de Lula se aproximava do fim, foi preciso assegurar a fidelidade dos mesmos partidos – e dos mesmos políticos – ao governo do PT. Com a reeleição de Lula, o governo continuaria a precisar de apoio no Congresso. E o Congresso não mudara. As regras de Brasília também não. Lula e o PT acomodaram-se às práticas políticas de sempre. E distribuíram aos partidos da base os cargos que os políticos tanto queriam. São aqueles que servem tão somente para gerar favores e dinheiro, seja para campanhas, seja para o bolso de quem está no esquema. Nenhum cargo era tão desejado pelos políticos quanto uma diretoria na Petrobras, a mais rica e poderosa empresa do país. No segundo mandato de Lula, a Petrobras, mais que qualquer outra estatal, ocupou o vácuo deixado pelo mensalão.

Janene está morto, não pode mais ameaçar nem delatar ninguém. Parentes seus são réus com Youssef na ação penal sobre a lavagem de dinheiro do mensalão. Um deles é Meheidin Jenani, primo de Janene. Magnus, o ex-sócio de Janene, afirma que Meheidin é especialista em assar carneiros e ia constantemente do Paraná a Brasília para preparar carneiros para a então ministra da Casa Civil, e hoje presidente Dilma Rousseff. Procurado por ÉPOCA, Meheidin desconversou. Procurada por ÉPOCA, a assessoria do Planalto disse que Dilma Rousseff não conhece Meheidin, muito menos era fã de carneiros preparados por ele.
* Revista Època

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