A França que foi
vítima de um selvagem ataque terrorista na semana passada é a França que
há déca-das e séculos se inquieta com seu próprio declínio. Ela tem visto seu
relativo poder diminuir, sofren-do derrotas e humilhações por parte de forças
rivais, dos navios da Grã-Bretanha aos soldados nazis-tas da Alemanha e o
poder invasivo da cultura popular americana.
Essas
inquietações antigas foram ressaltadas pelo ataque mortal ao Charlie
Hebdo, um ataque ligado a todos os diversos fantasmas que rondam a
França contemporânea: o medo da islamização insidiosa, o crescente
anti-semitismo, os temores do crescente poder da extrema direita e a força
da reação contra os muçulmanos — e tudo isso ligado num sentido mais amplo,
em meio a uma estagnação econômica, à deslealdade da elite do Continente.
Mas apesar desses temores, a França não é um país irrelevante ou sem
forças. Pelo contrário, ela está se tornando cada vez mais importante e
mais crucial para o futuro da Europa e do Ocidente.
Não, a era dos
Reis Sol não retornará. Mas política, cultural e mesmo
intelectualmente, os eventos na França nos próximos 50 anos poderão ser mais
importantes do que antes das duas guerras mundiais. Na
verdade, mais do que a Alemanha, a Grécia, ou a Grã-Bretanha, é na
França que o destino do século 21 poderá em última instância ser decidido.
O país tem a
maior população muçulmana entre todos os grandes países europeus. Partes
dessa população estão mais assimiladas eoutras muito mais radicalizadas do que
em qualquer outra parte do Continente — 16% dos cidadãos franceses
apóiam o EI segundo uma pesquisa realizada no ano passado.
Não surpreende,
portanto, que a resposta ao islamismo também esteja dividida. Os
muçulmanos são vistos de modo mais favorável na França do que em qualquer outra
região da Europa ocidental. De modo que, se existe um caminho para uma
maior inclusão e assimilação dos muçulmanos, provavelmente ele será aberto na
França. E se a tão temida extrema direita européia sair da marginalidade
para se tornar uma corrente dominante, provavelmente observaremos esse fato
primeiramente em Paris.
De qualquer
maneira, o papel da França deverá se tornar mais importante, ao contrário do
alemão, cuja influência vai diminuir. A demografia, fonte de tanta aflição no
passado, repentinamente favorece a França. Os alemães são ricos, mas sua
população envelhece,ao passo que, mesmo em meio à crise econômica, a taxa
de natalidade na França aumenta drasticamente (sugerindo um certo otimismo
em meio à apatia). Em torno de 2050, a França poderá ter novamente a maior
economia e população da Europa — o que a tornará dominante numa Europa mais
integrada, ou a maior potência econômica num continente ainda mais dividido do
que hoje.
Se existe alguma
coisa que poderá sacudir o Ocidente do seu atual torpor de final de um
ciclo histórico, algum novo conflito ou síntese ideológicos, isso
deverá ocorrer primeiramente no lugar onde tantas revoluções nasceram.
A França sempre
foi o país dos extremos — absolutista e republicana, católica e
anticlerical, comunista e fascista. Agora, mais uma vez é o lugar onde
forças robustas estão colidindo e onde as incertezas culturais, sobre o
Islã, o secularismo, o nacionalismo, a Europa, e a própria
modernidade — sugerindo que novas forças em breve surgirão. O declínio é
real, mas o futuro não está escrito. Se a Europa ainda se tornar palco de
transformações históricas, para o bem ou para o mal, isso ocorrerá em primeiro
lugar na bela França.
* Por Ross
Douthat, The New York Times
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