quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O drama do êxodo de jovens da Venezuela.

          "Mortos que andam”, é como eu descrevo – numa má tradução de "dead men walking" – o rótulo que se dá aos condenados à morte enquanto atravessam o corredor que os leva à cadeira elétrica. Comparação exagerada, é claro, mas que mentalmente repito toda vez que me despeço da minha filha e começo a atravessar esse corredor de aeroporto a partir do ponto de onde já não se pode voltar, e me volto para mandar-lhe um beijinho soprado com cara de que estou bem e ela me responde aparentando firmeza para não chorar, enquanto meu filho, meu outro filho, a abraça forte porque sei o que nos espera quando chegarmos a casa e vê-las vazias.
Despedida a partir do ponto sem volta: um último olhar e um beijo soprado...
            Todos os meus sobrinhos já se foram. A única que faltava ir acabava de decolar para a Austrália, o que significa dizer “nunca mais vê-la”.  "Isso não tem cosolo", digo aos meus irmãos como se tivesse repetido para várias de minhas amigas que passaram por tamanha dor. Em nossas reuniões de família já não há mais jovens, só pais que falam de filhos ausentes, do ninho vazio antes do tempo, de como as passagens estão caras, das providências para cancelar o cartão de crédito a tempo até a próxima viagem.
            Minha filha – lhes digo em gozação – encheu o congelador e a despensa com maravilhas para que eu não tivesse que gastar nada com esses artigos. Não há nenhuma meio entender por que, para um venezuelano, ir ao 'Whole Foods' é como visitar o MOMA e ir caminhar a qualquer hora ou matar a pau num bar até às duas da manhã são coisas que, agora, são direitos humanos apenas para os privilegiados.
Museum of Modern Art (MoMA) em Nova Iorque.
            Os jovens que eu conheço – profissionais, inteligentes, elenco de elite – soltam o verbo e falando palavrões tão naturalmente como dizem a palavra sequestro ou confisco. Um deles me contou, tranquilão, que, na hora de uma emergência etílica coletiva, mandam comprar, aos palavrões, a cana e o gelo porque não são artigos confiscáveis. Mas eles não se vão apenas por razões "mercantilistas", como assacou com uma asneira uma das tantas ministras da saúde que tampouco servem para nada: “a senhora que gerencia a nossa casa me disse que quer enviar seu filho de volta para a Colômbia, um jovenzinho de bom comportamento – porque em seu bairro tudo gira em torno de drogas, assassinato e acerto de contas”.
            Todo dia me chega uma estória mais assustadora do que a anterior. Nelas, sim, a classe média vê seus filhos irem embora, a classe pobre os vê serem assassinados, numa dor incomparável com o nosso ritual no aeroporto. Uma coisa sem importância, a nossa despedida, em face dos que estão a esperar às portas do necrotério.
            Minha filha fica aterrorizada cada vez que a Venezuela aparece na mídia: presos que são decapitados, agressões em cinemas, assaltos nas igrejas, tráfico de drogas, um presidente ameaçando com sandices, confiscos de dinheiro pelo estado, protestos de rua, pessoas matando por um quilo de farinha. Às vezes, ela me pede para ficar, para que não volte a este inferno.
            Então eu me imagino falando um Inglês com forte sotaque, sem amigos, sem história, sem ter nada o que fazer, enquanto dependo do país e do resto de meus amores através da Internet, cada vez mais revoltada com este destino que nos tem imposto esta cambada de gente ruim dizem governá-lo. Porque que essa gente não é de esquerda nem de direita. Além de incompetente e preguiçosa, é composta de pessoas indecentes, pura e simplesmente.  Eram elas as que minha mãe chamava de "má educação de berço". Pessoas más que, em suma, não têm quaisquer valores de qualquer natureza e se mantêm por trás de quatro slogans, dedicados a se beneficiarem uns aos outros, amigos, parentes, compadres, com cargos, comissões e contratos milionários, fazendo vista grossa ante o assalto praticado diuturnamente ao erário, para continuar usufruindo de suas caminhonetes blindadas, dinheiro vivo em dólar, com sua pinta de ‘novos ricos’ e provarem o quanto é gostoso viajar de graça e abusar do poder.
            Quero mesmo que todos eles se vão, como diz o mote que nasceu na Argentina. Uma vez que não tenham vergonha de renunciar até aos que não têm culhões para alijar do poder os ineficientes. Está chegando a hora de começarmos a dificultar-lhes o caminho voto a voto.
            Ainda que, entretanto, pudéssemos inventar o Dia dos Pais Órfãos -- que tal o 6 de dezembro quando Maduro ganhou a joiazinha de Hugo? -- e tomássemos as ruas e, em silêncio, hasteássemos uma bandeira de luto nas varandas, nos carros, nas motos, nas fazendas?
            Que possam ir, então, todos para ver se minha filha pode voltar um dia a visitar o túmulo de sua avó, pois, até então, estará proibida de entrar em seu país.


Duas citações de "anjinhos":
"O comunismo não é amor. O comunismo é um martelo que usamos para esmagar o inimigo". (Mao Tsé-Tung)
"Não há moralidade na política, apenas conveniência. Um canalha pode ser útil para nós, porque é um canalha". (Vladimir Lenin)
* Francisco Vianna, com mídia internacional.

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