domingo, 13 de outubro de 2013

O hamas passa aperto na faixa de gaza.

Apesar de Israel ter intensificado o envio de suprimentos para a Faixa de Gaza, o fato de o Egito ter fechado a quase totalidade dos túneis e assim ter coibido severamente o contrabando, fez com que os preços na Faixa disparassem – o que irritou os moradores e custou ao “governo islâmico” do Hamas uma fortuna. Todavia o grupo continua ainda a treinar terroristas.
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Uma sessão de treino militar de aprendizes de guerrilheiros organizado pelos “forces de segurança nacional” do Hamas em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, próximo à fronteira do Egito, onde os túneis de contrabando foram fechados. (foto: Abed Rahim Khatib/Flash90)
Para quem chega à fronteira norte da Faixa de Gaza com Israel, à primeira vista, tudo parece calmo e sereno. Da ponta do norte da Faixa, o ponto onde a barreira entre Israel e Gaza termina, vê-se o terreno desce gradualmente em direção ao Mar Mediterrâneo e não existe qualquer sinal físico a separar as areias da praia Zikim, de Israel, da última praia ao norte do território ‘palestino’. Aqui e ali, pescadores palestinos remam suas jangadas, tentando pegar alguns peixes para vender e levar para suas casas alguns ‘shekels’, a moeda circulante no território. Nos dias ‘úteis’, o resto da praia de Gaza fica praticamente, pois são poucos os pescadores, mas, nos fins de semana a praia enche de pessoas em busca de lazer e relaxamento.
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As casas do campo de refugiados de al-Shati, mais ao norte e a alguns poucos  quilômetros ao sul da fronteira norte, são visíveis à distância. É onde fica a casa do “Primeiro Ministro” do Hamas, Ismail Haniyeh. Mais ao sul está o Hotel Gaza, um resort de praia, quase sempre vazio, exceto para os jornalistas estrangeiros que permanecem por lá sempre que vêm à região. Seus preços estão fora do alcance dos palestinos que habitam a Faixa.
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O local de todo esse cenário aparentemente pacifico, tem sido uma das maiores dores de cabeça para as forças de segurança israelenses. Como a fronteira aqui é uma linha imaginária, e assim como os pescadores a cruzam tanto pelas areias da praia como remando suas jangadas pelo mar, também o fazem com relativa frequência alguns comandos do Hamas, para se aproximarem o mais possíveis das vilas e cidades israelenses mais próximas, antes de dispararem seus foguetes de fabricação caseira contra elas, para em seguida retornarem depressa para o “seu” território.
Mas isso não tem acontecido ultimamente, uma vez que para cada agressão dessas, a inteligência do Mossad cuida de eliminar, cirurgicamente, um ou mais de seus líderes. Por outro lado, também, o Hamas tem tido muita dificuldade de municiar seus terroristas com tais foguetes, graças tanto ao efetivo bloqueio marítimo da Faixa de Gaza feito pela Marinha israelense, como pela intensificação no fechamento dos tuneis de contrabando na passagem de Rafah efetuado pelos egípcios na fronteira sul. Com tanta dificuldade, o Hamas começou a anunciar que “não tem interesse” em lançar novos ataques terroristas a partir de Gaza ou iniciar confrontos militares com os judeus.
Mais do que o bloqueio marítimo israelense, a efetiva e exaustiva repressão egípcia sobre o Hamas, pelo fechamento dos túneis de contrabando no Sinai, começam a surgir temores de que o grupo islâmico poderá logo tentar aumentar as tensões diretas com Israel, numa tentativa de forçar o Egito a reabrir a fronteira do Sinai para o comércio legal e, principalmente, para o comércio ilegal.
É por isso que, nas últimas semanas, têm sido os israelenses, maisd do que todas as pessoas, a tentarem dissuadir Cairo de impor um bloqueio hermético na Faixa de Gaza. Fazer um bloqueio muito intenso a Gaza, muito provavelmente o Egito vai causar turbulência na região, o que poderá resultar num novo ciclo de violência entre Israel e o Hamas.
Para a maioria dos habitantes de Gaza, no entanto, o fechamento dos túneis trouxe uma nova realidade, pela qual, apesar da maioria dos produtos ainda estarem disponíveis – inclusive muitos sendo enviados por Tel Aviv, essas mercadorias estão muito mais caras do que antes de o Egito por cobro ao contrabando pelo Sinai.
UMA CIDADE SUBTERRÂNEA
Ao longo da fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egito, na região do Sinai e perto de Rafah, centenas de túneis foram escavados e construídos, muito próximos uns dos outros e com muitas comunicações entre eles, pelos palestinos, para driblar o forte bloqueio de Israel ao território entre 2007 e 2010, quando o contrabando de produtos os mais variados se tornou uma das principais atividades dos seus habitantes.
Um porta-voz da polícia de fronteira egípcia informou, na semana passada, que os egípcios haviam fechado 1055 túneis, desde janeiro de 2011, sendo que 794 deles nos até agora nove meses de 2013. Tais túneis foram, em seu conjunto, um dos principais projetos do “governo” do Hamas. A empreita empregava cerca de 40.000 pessoas, e consumia cerca de 40% do “orçamento” do “governo do Hamas”.
Os túneis eram de diferentes, em comprimento e largura, mas a maioria tinha um propósito: contrabandear todos os tipos de mercadorias, desde mísseis e equipamento militar, até lanches e cigarros. Driblando o bloqueio israelense, a atividade de contrabando se mostrou altamente rentável, também, para os “empresários” privados envolvidos no processo.
O Hamas monitorava os túneis de perto e mantinha forte tributação sobre os proprietários dos túneis. Cada dono de túnel pagava impostos ao Município Rafah que fornecia uma licença para começar a cavar. Uma vez escavado o túnel e tendo entrado em operação, os impostos passavam a ser cobrados calculados sobre todos os produtos que passavam por ele, o que, ainda assim, era bem mais barato, do que qualquer mercadoria que viesse para o território legitimamente através da passagem de Kerem Shalom por Israel.
Por exemplo, um pacote de cigarros contrabandeado do Egito custa sete shekels (US $ 2), e é vendido nas lojas de Gaza por 10 shekels (quase US $ 3), com o proprietário do túnel ganhando dois shekels e o Hamas recebendo 1 shekel de imposto. O lucro do comerciante é, pois, de 5 shekels, mesmo assim, mais de 100% do valor contrabandeado.
O sistema funcionou satisfazendo a todos: aos proprietários de túneis que ganhavam sua comissão, aos moradores de Gaza que gostavam dos produtos extremamente baratos, ao Hamas que se beneficiou de dezenas de milhões de dólares em impostos e que acumulavam a cada mês e aos comerciantes que vendiam as mercadorias, única atividade econômica de monta da Faixa de Gaza.
A primeira fase da guerra egípcia contra os túneis começou quando a Irmandade Muçulmana ainda estava no controle do governo no Cairo. Após 16 policiais egípcios terem sido mortos perto da passagem de Rafah, em agosto de 2012, o Cairo percebeu que os terroristas filiados à Al-Qaeda estavam usando os túneis para receber equipamento militar a ser contrabandeado para Gaza e melhoravam os túneis para facilitar o combate.
Este foi o gatilho para a ação militar egípcia. Cerca de metade dos túneis foram fechados, mas a mudança mais dramática começou no final de junho de 2013, alguns dias antes dos protestos generalizados contra Morsi e que levou o exército levou a depô-lo. O exército, então, aproveitou da fraqueza da Irmandade e lançou uma grande operação na fronteira de Rafah, fechando 90% dos túneis existentes em operação.
Isso trouxe implicações financeiras imediatas para Gaza e para o ‘caixa’ do Hamas e a situação não melhorou desde então. Um residente de Gaza desabafou dizendo que "durante seis anos, nós nos acostumamos a comprar de tudo e barato. A gasolina custava apenas três shekels por litro. Os cigarros custavam dez e o leite era comprado por quatro shekels o litro. Agora, não e não se trata de escassez. Caminhões constantemente entram em Gaza com todos os tipos de suprimentos através de Kerem Shalom, em Israel. Mas os preços mais do que dobraram".
O “Escritório de Coordenação das Atividades de Governo nos Territórios”, entendendo que a escalada potencial da violência aumentou em Gaza, como resultado da falta de mercadoria, ultimamente tem permitido que mais de 430 caminhões por dia tragam produtos para Gaza, através de Kerem Shalom.
Mas, segundo os moradores de Gaza, o problema é o custo e não a disponibilidade. "As pessoas ganham o mesmo salário de antes e, se trabalharem em conjunto conseguem encomendar a preços mais baixos. Mas, mesmo assim, os preços dispararam. As pessoas não têm dinheiro para comprar gasolina a oito shekels o litro ou cigarros a  25 shekels o pacote. Os mercados de Gaza estão sofrendo uma recessão, e ainda mais em época de férias", disse ele, referindo-se ao Eid al-Adha, a ‘Festa do Sacrifício’, que começa na próxima terça-feira.
O Hamas também está sofrendo. "Apenas imagine a situação: quase todos os homens de Gaza fumam. Mas os baixos impostos cobrados sobre os cigarros contrabandeados do Egito se foram", disse um vendedor de Gaza. "Metade de um milhão de litros de combustível foram transportados através dos túneis diariamente e cada litro contribuiu com 1,5 shekels para o caixa do Hamas. Milhares de dólares em impostos foram pagos para cada carro trazido pelos túneis. O mesmo era verdade para materiais de construção, lanches, tudo".
A falta de renda tem impactado os salários do Hamas no ‘governo’. No mês passado o Hamas reteve os salários de todos a fim de economizar o dinheiro para o Eid al-Adha. O ‘governo’ aparentemente planeja conceder um bônus de 1.000 shekels para cada um de seus 50.000 funcionários (?), para o feriado.
O QUE O HAMAS VAI FAZER AGORA?
"O Hamas agora não tem nada a oferecer à comunidade palestina em Gaza", disse um analista palestino, que pediu para permanecer anônimo. “Vamos praticar um pouco de futurologia: segundo a ONU, em 2020, não haverá uma única gota de água potável na Faixa de Gaza que esteja disponível para o consumo humano. O que o Hamas pode fazer quanto a isso”? Muito pouco.
Mas, ainda hoje, a situação financeira na Faixa de Gaza está se deteriorando rapidamente. A renda do governo diminuiu – por causa dos túneis –, mas também por causa de uma diminuição das contribuições externas. O dinheiro que o Hamas arrecadava da Irmandade Muçulmana, nos dias de Mursi e a partir de seus membros no Egito, secou. As taxas de desemprego entre os jovens em Gaza nunca foram tão altas e a maioria dos universitários formados não conseguem encontrar trabalho. Que tipo de futuro pode Hamas oferecer a esses milhares de jovens que não podem pagar para comprar uma casa ou até mesmo se casar?, disse o analista. 
Como tenho dito com frequência daqui do meu 'bunker' cibernético, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia juntas, praticamente, não têm um PIB capaz de sustentar por si só uma estrutura de estado soberano e não se consegue ver no horizonte, tanto do Hamas como do Fatah, da ANP, qualquer sinal de que isso possa se tornar possível num futuro próximo. Como se poderá criar um ‘Estado Palestino’ nessas circunstâncias, senão uma espécie de pseudoestado a viver dos recursos enviados por outros países?
O Hamas está enfrentando uma das crises econômicas e políticas mais graves de sua breve história – por causa dos eventos em todo o Oriente Médio. Tudo causado pelas mudanças políticas no Egito e, mais uma, o grupo é relegado a operar agora no subsolo.
Quando o Hamas foi empurrado para agir à margem da guerra civil na Síria e a Irmandade Muçulmana deixou de ter um papel central, mesmo na Jordânia, a carência de recursos tem crescido como um obstáculo inexpugnável.
Já o Qatar e a Turquia não passam de “simpatizantes” do Hamas e que ainda enviam mensalmente algum dinheiro para o grupo não cair na imobilidade total, enquanto todos os outros países árabes, como Egito, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Kuwait e Bahrein se opõem ao Hamas em favor da ANP, de Abbas e do Fatah. Não há sequer alguém dedicado a mediar um entendimento entre o Hamas e o Fatah, caso Gaza resolva, por cansaço da miséria, assumir o caminho da reconciliação. Qualquer um, em Gaza, sabe que, mudando de atitude, poderá encontrar em Israel um lugar muito melhor para viver e sem ter que renegar à sua fé muçulmana...
Acredito que, embora exista a possibilidade de uma escalada de violência contra Israel, ela é improvável. Apesar da crise financeira, a guerra contra Tel Aviv de há algum tempo deixou de compor a agenda do Hamas, mesmo porque hoje a crise não é causada por Israel, mas pela disposição decrescente dos estados que sustentam o arremedo de estado palestino em continuar com essa farsa.
Mesmo que o Hamas se reconcilie com o Fatah e monte outro arremedo de estado com a participação de ambos, sob a chefia de Abbas ou outro testa-de-ferro qualquer, o problema da capacidade de os palestinos conduzirem um estado soberano perdurará enquanto a região não desenvolver um setor primário (agropecuário), um setor secundário (industrial e comercial) – sem falar num setor terciário, de serviços – cujo conjunto seja capaz de gerar um PIB pelo menos suficiente para tal.
Por enquanto, o Hamas está dando um tempo para ver se o Egito vai mudar suas políticas para Gaza. Seus líderes não podem sequer sair do território; o Cairo os proibiu de atravessarem o a passagem fronteiriça de Rafah, no Sinai.
Enquanto isso, grande parte do dinheiro arrecadado pelo Hamas, principalmente dos países simpatizantes, está sendo gasto para aumentar e equipar suas forças militares, principalmente se seus líderes escolherem o caminho da guerra, mais na Síria em conluio com o Hezbollah do que propriamente contra Israel, para o qual não seria páreo. Ultimamente, o grupo criou um campo de treinamento para os membros de sua ala militar, não muito longe da fronteira noroeste de Gaza, sobre as ruínas do antigo assentamento judeu de Dugit. O acampamento é chamado de Askelan - numa referência ao Ashkelon (vide mapa acima), mais acima, no litoral de Israel.
A alta torre de vigia construída no acampamento é claramente visível a partir de território israelense. Desse ponto de vista elevado, ativistas do Hamas observam a atividade do lado israelense da fronteira. Desde a última grande escaramuça, em novembro de 2012, eles assistem a tudo com relativa calma. E provavelmente com muita inveja... Não há garantias de que essa atitude vai mudar.
*Francisco Vianna, via Grupo Resistência Democrática.

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