Egípcios saúdam os militares em seus tanques de guerra pesadamente armados em progressão por uma avenida do Cairo que leva à Universidade, hoje à tarde (Foto de KHALED DESOUKI/AFP/Getty Images)
Há, nesse momento, um grande debate no Egito para se saber se a ação dos militares para remover Mohammed Morsi da presidência do país deve ou não ser considerado um golpe militar. Se considerarmos que as Forças Armadas egípcias estão depondo à força um presidente eleito democraticamente e suspendendo a Constituição do país, não há dúvidas de que se trata de um golpe militar, que fora pré-anunciado pelas autoridades militares num ultimato ao governo que venceu hoje ao meio dia. Entretanto, o golpe em curso no país difere fundamentalmente dos outros golpes militares porque os dirigentes das Forças Armadas não querem impor um regime militar e os partidos estão sendo conclamados para uma nova eleição presidencial em breve, com os militares no poder apenas durante um breve período de transição.
Há, nesse momento, um grande debate no Egito para se saber se a ação dos militares para remover Mohammed Morsi da presidência do país deve ou não ser considerado um golpe militar. Se considerarmos que as Forças Armadas egípcias estão depondo à força um presidente eleito democraticamente e suspendendo a Constituição do país, não há dúvidas de que se trata de um golpe militar, que fora pré-anunciado pelas autoridades militares num ultimato ao governo que venceu hoje ao meio dia. Entretanto, o golpe em curso no país difere fundamentalmente dos outros golpes militares porque os dirigentes das Forças Armadas não querem impor um regime militar e os partidos estão sendo conclamados para uma nova eleição presidencial em breve, com os militares no poder apenas durante um breve período de transição.
O país está amplamente dividido, com cerca de metade da populacao dando considerável apoio à deposição de Morsi e a outra metade sendo contra. Mas, mesmo os que são contra não parecem dispostos a guerrear e morrer por isso e, pois, o governo militar provisório deverá ser acatado pela imensa maioria do povo egípcio que espera que a substituição do presidente ganhe uma base ampla que inclua diversas entidades e representantes do Congresso além dos principais empresários e políticos. Na verdade, o governo interino provavelmente vai diferir grandemente do exercido pelo Conselho Supremo das Forças Armadas, que governava o estado após o ex-Presidente Hosni Mubarak ter sido deposto em 2011 e até que Morsi tomou posse em junho de 2012.
Nisso, alias, tem se caracterizado o problema dos militares egípcios, que têm sido sempre o principal esteio do regime desde a fundação da moderna república em 1952. Na maior parte da sua história, especialmente desde o fim da guerra de 1967, os militares egípcios nunca têm governado diretamente o país, preferindo governá-lo indiretamente como eminência parda de presidentes, por trás das cortinas, com exceção do ano em que o Conselho Supremo das Forças Armadas de fato governou. Até a deposição de Mubarak, tal papel era conseguido por meio de um regime de partido único onde o agora dissolvido Partido Nacional Democrático administrava fazendo o que os militares mandavam, o que deixa evidente a fragilidade da democracia no Egito. A destruição do PND foi um dilema importante para os militares, que não mais dispunham de um arcabouço civil como fachada de governo. Tal situação ficou mais tarde muito mais complicada com o advento do pluripartidarismo.
Com a substituição do partido único, poderoso instrumento de governo, por diversos partidos mais fracos, um grupo ganhou força no Egito, explorando a religiosidade sunita e salafita, capitalizando a política no sentido de substituir o estado laico por um estado islâmico, como vinha fazendo a Irmandade Muçulmana da qual Morsi fazia parte. Foi graças a ela que Morsi foi eleito prometendo defender a Constituição e não tentar montar um regime islamofascista como o de Teerã, no Irã. Com a eleição de Morsi como presidente no ano passado, parecia que os militares haviam encontrado um novo arcabouço civil que passaria a ocultar seu verdadeiro papel de mando por trás dele. Não obstante as grandes diferenças ideológicas, a Irmandade Islâmica em princípio passou a ser vista como um substituto cômodo para o PND. O que os militares precisavam era de um governo que pudesse gerir a economia política do país, de modo que o estado de agitação popular pudesse permanecer limitado.
Mas o governo de Morsi não conseguiu fazer isso. Seu foco em consolidar o poder para seu grupo incluía manter sob seu controle pessoal as Forças Armadas, o que o tornaria num novo ditador, desencadeando a atual e maciça reação pública. Lá, como no Brasil, as Forças Armadas são profundamente respeitadas e admiradas pela população e Morsi passou a ser amplamente considerado como um ditador em potencial.
Como resultado, os militares ficaram, mais uma vez, sem uma parceria civil, embora não tenha desistido dela, como se depreende do anúncio de novas eleições presidenciais para breve. Não há alternativas para a Irmandade Muçulmana porque a oposição de um grande movimento de protesto inclui o grupo islâmico como a principal ameaça a ser afastada pela deposição de Morsi.
O mais notável é sem dúvida o fato de que o impulso para esses protestos foi a oposição liberal e secular que, pela primeira vez, demonstrou uma capacidade de estabelecer uma frente unida e decidida a mostrar que a maioria do povo não quer a religião imiscuída no governo.
Não está claro se a oposição vai se aglutinar e se o braço político do Tamarod, da Frente 30 de Junho, representa uma alternativa política para as redes sociais estabelecidas da Irmandade no país. A nomeação de Mohammed El Baradei como negociador por grande parte da oposição poderia ser um primeiro passo na direção de uma entidade política, além da Irmandade que poderia exercer, ou influenciar o poder civil.
A agitação gerada pelos elementos da oposição unidos sob Tamarod, e, em menor medida, mesmo entre alguns muçulmanos, obrigou os militares a se livrar da presidência de Morsi. Afinal de contas, o presidente se recusou a renunciar e a oposição não aceitava suas propostas para um compromisso. Mas esse não é o resultado preferido dos militares. As Forças Armadas esperavam que Morsi pudesse manter o controle do país e, ao mesmo tempo, ter capacidade de negociação com a oposição para garantir os interesses econômicos e políticos dos militares.
No entanto, o enorme clamor público e a postura desafiadora da Irmandade Muçulmana deixaram as Forças Armadas sem outra opção que não fosse a de seguir com a deposição do presidente. O resultado não é apenas a remoção de um governo, mas o colapso de um sistema democrático ainda em crescimento. Além disso, a remoção forçada do governo Morsi irá tornar em tese mais difícil a criação de um novo governo civil, porque o ambiente político estará ainda mais polarizado. O movimento, sem dúvida, irritou a Irmandade Muçulmana, que não esperava ser posta de lado de forma tão dramática. Mas tão importante quanto esse bloqueio da Irmandade Muçulmana no Egito foi o fato dos militares estabelecerem um precedente para ceder à violência da multidão.
A defenestração de Morsi mostra que há décadas a estratégia dos militares de “governar sem aparecer” vem se tornando cada vez mais difícil de ser imposta. A imposição de um regime militar austero e autoritário só viria agravar as tensões. Também mostra que o país precisa desenvolver instituições democráticas mais sólidas e governos que exibam uma capacidade mínima de coalizão sem que isso degenere perigosamente para uma república islamofascista. Tal governo não é fácil de ser criado, mesmo porque o Egito está limitado pelas diferentes facções e pressões internas e os militares continuam a ser a melhor fonte de energia e segurança para o país.
*Francisco Vianna, com imprensa internacional, via Grupo Resistência Democrática.
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