BELA VISTA DO PIAUI (PI) – Na pequena Bela Vista do Piauí, povoada por apenas 3.778 moradores, dos quais mais da metade – exatamente 2.535 almas vivas – resiste bravamente na zona rural, o Bolsa Família não é apenas um poder paralelo. É uma “mãezona”. Sustenta mais de um terço da população e o cartão magnético usado para sacar o benefício na Caixa serve para irrigar contas até de conselheiros tutelares e presidentes de partidos.
Conselheira tutelar Josiene Marques tem salário acima de R$ 800, um Honda Civic e uma moto na garagem e recebe Bolsa Família.
Josiene Marques, 41 anos, faz parte do time do Conselho Tutelar, órgão mantido pela Prefeitura Municipal, que exemplifica uma grave distorção no programa de transferência de renda criado para pobres, mas desviado para quem dele não deveria fazer uso: embolsa R$ 850,00 de salário como conselheira e R$ 147,00 pela Bolsa.
Foi localizada pela reportagem em sua casa, a 200 metros da sede do Conselho, com um carro na garagem, um Honda Civic e uma moto. Alegou que os meios de transporte foram adquiridos pelo marido e que é beneficiária do Bolsa Família praticamente desde que o programa existe. Embora tenha conquistado o emprego de conselheira tutelar através de concurso, Josiene continua recebendo a bolsa há quase dois anos.
“Já fui notificada para dar baixa e estou fazendo isso”, afirmou. Como conselheira tutelar, seu caso não é único no município.
José Erivan, Josimar Tolentino e Marcelo Tolentino são conselheiros tutelares e beneficiários do Bolsa Família.
José Erivan, Josivan Tolentino e Marcelo Tolentino se enquadram na mesma situação, ou seja, ganham também R$ 850,00 como conselheiros e mais uma renda adicional da Bolsa Família. Erivan tem um cartão que lhe dá o direito de sacar R$ 112,00.
“Eu sei que já não posso mais ser bolsista”, diz Erivan, que não pode ser enquadrado na linha extrema de pobreza porque, além do salário de conselheiro, tem 13 cabeças de gado e 28 ovelhas no sítio Tapera, a 8 km do centro da cidade, onde mora com a esposa, um filho menor e seus pais.
Erivan foi localizado na sede do Conselho Tutelar na sexta-feira passada, dando expediente com os demais conselheiros Josivan e Marcelo Tolentino, que são parentes de primeiro grau, também beneficiários do programa social. Como Erivan, Josivan e Marcelo criam gado e ovelha na comunidade do Sítio.
Marcelo tem um valor acima de Erivan e Josivan: R$ 146,00 e há um ano e oito meses recebe R$ 850,00 como conselheiro. “Já pedi também para me cortarem do programa”, garante. Residente na comunidade do Barreiro, onde não chegou sequer ainda energia elétrica, Marcelo se insere no perfil de um pequeno criador.
Bartolomeu Rodrigues, presidente do PT, criador de gado e contemplado pela Bolsa.
Apesar da seca prolongada matar o gado ainda consegue meios para manter duas vacas e seis ovelhas. “Os animais são da família”, alega. Em Bela Vista do Piauí, a Bolsa Família contempla 693 famílias, entre as quais a de Bartolomeu Rodrigues de Souza, 45 anos, presidente municipal do PT, o Partido dos Trabalhadores.
Agricultor, Souza perdeu tudo o que plantou de milho e feijão por causa da seca, mas também não está na extrema pobreza, porque cria gado e ovelhas. Do Bolsa Família, recebe R$ 214,00 por mês.
“Eu não tenho emprego de carteira assinada, estou, portanto, dentro do que determina a lei”, alega. Secretária de Ação Social do município, Maria Helena Marques, esposa do prefeito, não esconde que há graves distorções na execução do Bolsa Família, mas ressalta que estão sendo corrigidas mediante o recadastramento dos beneficiários.
“A falha não é só nossa, mas do Ministério do Desenvolvimento Social também, que muitas vezes também faz cortes injustos, não sabendo separar entre o pai pobre que recebe pelo filho que está na escola e aquela família que tem direito por se encaixar no critério de extrema pobreza”, alega. Com exceção dos conselheiros tutelares, a secretária garante que não existem, entretanto, mais servidores beneficiados pelo programa.
*Edição: Ítala Alves
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