Sérgio Cabral, determinado a ocupar o vácuo que Lula deixará quando encerrar o seu mandato, deu seqüência hoje ao estilo “deixa que eu chuto”. Depois de defender a descriminação das drogas — só das leves, claro!; não sei se ele enquadra o crack entre as pesadas — e de ter indagado quem aí nunca fez um abortinho na namoradinha, saiu-se com a defesa da legalização do jogo.
As três defesas já nos permitem ter um padrão. Cabral segue um norte ético: “Já que a gente é incompetente para combater o crime, então que nos unamos a ele”. O governador é mesmo um prático: se o crime deixa de ser crime, tudo é da lei, e acaba essa história de punição, pronto!. O miolo-mole certamente acha que viveremos no bem-bom do contrato social, né?, com uma chateaçãozinha aqui, outra ali. Mas pode acontecer, e aconteceria, de conhecermos o estado da natureza.
Ele tem um jeito muito peculiar de dizer suas bobagens, mimetizando o estilo lulístico, só que sem aquela certa, como posso chamar?, autenticidade rústica e telúrica do Apedeuta das Esferas. Cabral é só um rapazola da Zona Sul, já meio velhusco, que busca emprestar a sua dicção certo veneno e picardia da mítica malandragem do Rio. Dá em bufonaria. Para este pensador desabrido, se todos deixarmos de ser hipócritas, acabaremos pensando como ele. Assim ele fez a defesa da legalização do jogo:
“O Brasil, francamente, tem problemas muito maiores quando se torna ilegal. Quando é ilegal, não vai para vocês, não vai para instituições como a Andef [instituição de caridade que cuida de deficientes físicos]. No mundo inteiro, quando é legal, vai para aplicação e recursos meritórios. Chega de demagogia, chega de hipocrisia, é isso que me deixa impressionado”.
Esse discurso cheio de anacolutos — consta que ele não gostava de escola, e isso certamente é verdade — foi feito durante a entrega de veículos para entidades de assistência social, financiados com recursos da Loterj (Loterias do Rio de Janeiro). Cabral poderia nos dizer quais crimes ele considera inaceitáveis para termos mais ou menos uma noção de por onde caminha a mente deste senhor.
Sabem o que é isso? Delírio de potência! Com todo o respeito, a imprensa carioca está criando um monstro inimputável, com a diferença de que ele é, acreditem, bem mais irresponsável do que Lula, que jamais trataria qualquer um dos três assuntos com tal ligeireza. O presidente não é operário desde 1975, mas aquela é sua origem. Esse vale-tudo cabralino tem um corte que é de classe social, de formação. É coisa de moleque que enfiou o pé na jaca. Pobre, como foi Lula, é um pouco menos licencioso do que isso —nos costumes ao menos.
Entendo! Cabral celebra o sucesso de suas Unidades da Polícia Pacificadora do Tráfico. Experimenta o sucesso de crítica e de público de uma nova abordagem do crime — aquela em que o criminoso passa a ser parte interessada na solução do conflito.
Este senhor se definiu para mim quando a Câmara aprovou a lei que redistribuía ente os estados os royalties do petróleo — o que, de fato, é um absurdo. Ele chorou copiosamente e convocou uma manifestação popular. Os deslizamentos em decorrência das chuvas mataram 229 pessoas logo depois. Cabral não só não salgou a terra com suas lágrimas como aproveitou para acusar, nesta ordem: a) os adversários políticos; b) as próprias vítimas.
Há 50 mil homicídios por ano no Brasil. O Rio apresneta um dos maiores índices do país. É um escândalo! Assim como Cabral nos convida a deixar de ser hipócritas no caso das drogas, do aborto e do jogo, eu gostaria de saber o que é não ter hipocrisia nesse particular. Talvez fosse o caso de legalizar o assassinato, não é?, combinando com os matadores uma cota aceitável segundo os padrões da ONU, por exemplo. Como diria Cabral, não podemos ser hipócritas: se, sem acordo, morrem 50 mil, podemos baixar para 20 mil com acordo. Pensem a partir do resultado: o que é pior?
Cabral ainda não entendeu — e lhe falta bem mais do que leitura para isto — que nem todas as idéias que “resolvem” são aceitáveis. É perfeitamente possível controlar um surto de contaminação virótica eliminando-se os hospedeiros. Funciona? Funciona! É o que se faz com o gado quando tem febre aftosa — ainda menino, lembro-me das matanças. Mas, como se dizia antigamente, “com gente, é diferente”.
Àquilo que Cabral chama “hipocrisia”, muita gente boa chama “ética”.
As três defesas já nos permitem ter um padrão. Cabral segue um norte ético: “Já que a gente é incompetente para combater o crime, então que nos unamos a ele”. O governador é mesmo um prático: se o crime deixa de ser crime, tudo é da lei, e acaba essa história de punição, pronto!. O miolo-mole certamente acha que viveremos no bem-bom do contrato social, né?, com uma chateaçãozinha aqui, outra ali. Mas pode acontecer, e aconteceria, de conhecermos o estado da natureza.
Ele tem um jeito muito peculiar de dizer suas bobagens, mimetizando o estilo lulístico, só que sem aquela certa, como posso chamar?, autenticidade rústica e telúrica do Apedeuta das Esferas. Cabral é só um rapazola da Zona Sul, já meio velhusco, que busca emprestar a sua dicção certo veneno e picardia da mítica malandragem do Rio. Dá em bufonaria. Para este pensador desabrido, se todos deixarmos de ser hipócritas, acabaremos pensando como ele. Assim ele fez a defesa da legalização do jogo:
“O Brasil, francamente, tem problemas muito maiores quando se torna ilegal. Quando é ilegal, não vai para vocês, não vai para instituições como a Andef [instituição de caridade que cuida de deficientes físicos]. No mundo inteiro, quando é legal, vai para aplicação e recursos meritórios. Chega de demagogia, chega de hipocrisia, é isso que me deixa impressionado”.
Esse discurso cheio de anacolutos — consta que ele não gostava de escola, e isso certamente é verdade — foi feito durante a entrega de veículos para entidades de assistência social, financiados com recursos da Loterj (Loterias do Rio de Janeiro). Cabral poderia nos dizer quais crimes ele considera inaceitáveis para termos mais ou menos uma noção de por onde caminha a mente deste senhor.
Sabem o que é isso? Delírio de potência! Com todo o respeito, a imprensa carioca está criando um monstro inimputável, com a diferença de que ele é, acreditem, bem mais irresponsável do que Lula, que jamais trataria qualquer um dos três assuntos com tal ligeireza. O presidente não é operário desde 1975, mas aquela é sua origem. Esse vale-tudo cabralino tem um corte que é de classe social, de formação. É coisa de moleque que enfiou o pé na jaca. Pobre, como foi Lula, é um pouco menos licencioso do que isso —nos costumes ao menos.
Entendo! Cabral celebra o sucesso de suas Unidades da Polícia Pacificadora do Tráfico. Experimenta o sucesso de crítica e de público de uma nova abordagem do crime — aquela em que o criminoso passa a ser parte interessada na solução do conflito.
Este senhor se definiu para mim quando a Câmara aprovou a lei que redistribuía ente os estados os royalties do petróleo — o que, de fato, é um absurdo. Ele chorou copiosamente e convocou uma manifestação popular. Os deslizamentos em decorrência das chuvas mataram 229 pessoas logo depois. Cabral não só não salgou a terra com suas lágrimas como aproveitou para acusar, nesta ordem: a) os adversários políticos; b) as próprias vítimas.
Há 50 mil homicídios por ano no Brasil. O Rio apresneta um dos maiores índices do país. É um escândalo! Assim como Cabral nos convida a deixar de ser hipócritas no caso das drogas, do aborto e do jogo, eu gostaria de saber o que é não ter hipocrisia nesse particular. Talvez fosse o caso de legalizar o assassinato, não é?, combinando com os matadores uma cota aceitável segundo os padrões da ONU, por exemplo. Como diria Cabral, não podemos ser hipócritas: se, sem acordo, morrem 50 mil, podemos baixar para 20 mil com acordo. Pensem a partir do resultado: o que é pior?
Cabral ainda não entendeu — e lhe falta bem mais do que leitura para isto — que nem todas as idéias que “resolvem” são aceitáveis. É perfeitamente possível controlar um surto de contaminação virótica eliminando-se os hospedeiros. Funciona? Funciona! É o que se faz com o gado quando tem febre aftosa — ainda menino, lembro-me das matanças. Mas, como se dizia antigamente, “com gente, é diferente”.
Àquilo que Cabral chama “hipocrisia”, muita gente boa chama “ética”.
*Texto de Reinaldo Azevedo
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