Na Folha.com:
Passados já tantos dias da tragédia que se abateu sobre o Japão, permanecem impressionantes tanto as novas imagens que surgem do momento mesmo do avanço do mar sobre gentes e casas e tudo o mais quanto a paz e a ordem que reina no país.
São quase sufocantes as imagens e depoimentos que podem ou ser considerados de gente extremamente ordeira e civilizada, ou de gente passiva e conformada.
Das filas imaculadas para receber alimento e ajuda à limpeza de ruas onde não existem mais cidades, tudo remete a uma ordem, a uma arrumação, a uma disciplina que soa paradoxal e no mínimo incômoda para nós outros, latinos facilmente descontrolados.
Isso é o que mais impressiona nos relatos que chegam: a falta de revolta. Seja da mulher que diz não se impressionar com nada daquilo porque já viveu o inferno nuclear sobrevivendo à bomba de Hiroshima, seja da filha do trabalhador que aceitou a tarefa de salvar o reator nuclear destroçado como se aquilo fosse a sua sentença de morte, seja da rodinha de desabrigados cozinhando sob a neve e o frio inclementes.
Curioso, este povo, que aparentemente está a esperar que alguém resolva o problema que é de todos, como se o problema não fosse responsabilidade de ninguém.
Certo, o terremoto e a onda gigante não são mesmo, mas, e os reatores nucleares em colapso? E a decisão de construir esses reatores em áreas sujeitas a terremoto --todo o Japão, aliás? E a falta de informações corretas sobre o que está acontecendo e sobre os verdadeiros perigos para a população?
Estive duas vezes no Japão, tenho muitos amigos por lá e não há dúvida de que o que é no mínimo peculiar a ordem e a hierarquia reinante em todo e qualquer canto. Um país lindo, de cultura milenar absolutamente respeitável, povo cordato e generoso, ao menos com seus visitantes temporários --os depoimentos dos dekassguis não atestam isso-- encantam a qualquer um.
Mas tudo obedece a uma rigidez mandatária severíssima, em que como numa onda todos temem profundamente os que estão hierarquicamente acima de si.
Insurgir, revoltar, questionar não estão no repertório sobretudo dos funcionários das empresas que garantem ao Japão o posto de segunda economia do planeta (agora dizem que é a China a segunda, mas tudo bem...). Uma organização severa que contamina o dia dia das pessoas e, mais surpreendente, até mesmo a mídia.
O Japão sempre foi exemplo para o Ocidente no que se refere a recuperação, superação e conquistas.
Mas permanece sendo um mistério quanto ao temperamento de seu povo. Povo, aliás, que neste momento merece a mais respeitosa solidariedade.
Solidariedade ao povo japonês é o que pretende prestar a celebração multi-religiosa que ocorre neste domingo (20), na Igreja de São Gonçalo, praça João Mendes, centro de São Paulo.
Estão convidados "todas as pessoas de todas as crenças e sem crença que queiram se reunir em prol das vítimas dos terremotos, tsunami e perigos nucleares, solidarizando-se com o povo japonês e com todo o povo da Terra", avisa a monja budista Coen Souza, que participará da celebração.
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