Quando Lula tomou posse em 2003 muita gente festejou com o argumento de que era necessário passar pela experiência do PT no poder para o País apressar o passo na construção do futuro com mais harmonia e menos beligerância. Em seus 23 anos de existência até então, o PT fizera oposição agressiva, belicosa e sistemática a todos os governos que passaram pelo Planalto. Foi contra a Constituição de 1988, contra a eleição de Tancredo Neves, contra o Plano Real, contra o pagamento da dívida pública, contra as privatizações, contra o fim dos monopólios, contra as políticas monetária e cambial de FHC, contra o Proer, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, contra a reeleição, enfim contra tudo o que não vinha do PT. E, é preciso reconhecer, na maioria das vezes foi bem-sucedido na adesão popular ao estilo "sou contra".
Ao chegar ao poder o partido tratou de esquecer os seus "contras" e renegou seus credos: não mudou uma vírgula na política econômica de FHC, que tanto combatera, não desfez as privatizações, respirou aliviado com o Proer, aprofundou o Plano Real, elevou juros, pagou e multiplicou a dívida pública, para alegria dos banqueiros, que tanto xingara no passado. Aprendeu? "
A prática é o critério da verdade", ensinou Karl Marx. Foi a prática de governar que levou Lula e o PT a enxergarem a verdade que repudiaram quando eram oposição. E aprenderam. Algumas vezes bem rápido, como ao conduzir a política econômica de FHC. Outras, nem tanto. Do acervo de lento aprendizado faz parte o estilo autoritário na relação com a sociedade, que explica o apoio político de Lula a ditadores e o desprezo pelos direitos humanos violados em países como Irã e Cuba. O autoritarismo está também na tentativa de Lula de criar conselhos para controlar a imprensa, a cultura e a liberdade de expressão e criação. Nisso sua sucessora aprendeu mais rápido. Para não deixar dúvidas, ela vive repetindo preferir "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras". E critica abertamente a violação dos direitos humanos no Irã.
Por isso, se partiu de Dilma Rousseff, surpreendeu a tentativa de interferir na diretoria de uma empresa privada, a Vale, e tirar da presidência um executivo que já foi e deixou de ser o preferido do governo. Lula tentou e não conseguiu degolar Roger Agnelli desde a crise financeira de 2008, que levou a Vale a demitir funcionários. Por mais que as novas contratações na empresa tenham superado as demissões, alguns meses depois, Lula persistiu na degola porque a direção da Vale se recusou a instalar usinas siderúrgicas em Estados governados pelo PT e onde não fazia nenhum sentido econômico construí-las.
Se o desempenho de Agnelli não é satisfatório, cabe aos acionistas da Vale decidirem afastá-lo. Para o governo é constrangedor seu ministro da Fazenda, de quem se espera conduta séria e transparente, procurar às escondidas o dono do Bradesco, maior acionista da empresa, e pedir a cabeça de seu presidente. Não se sabe se o ministro da Fazenda foi incentivado por Lula, por Dilma ou se agiu por sua conta e risco. Mas, das três alternativas, a que causa surpresa e decepção seria ter a iniciativa partido da presidente Dilma. Trata-se de um descabido gesto autoritário que se imaginava página virada em sua conduta.
Se o governo não respeita o direito de uma empresa privada ser administrada por seus acionistas, imagine como age em empresas públicas, onde o acionista controlador não é identificado - porque são todos os brasileiros - e o presidente da República se considera o dono, por ter sido eleito pelo voto. Por isso as empresas estatais são usadas para abrigar políticos derrotados nas urnas (vide Geddel Vieira Lima, do PMDB, que acaba de ser nomeado vice-presidente da Caixa), privilegiar empresas amigas com empréstimos e prestar favores a políticos. Servem, enfim, a toda sorte de negociação de interesse de quem está no poder. Uma empresa pública deve servir ao interesse público, à população. No livro Em Brasília, 19 horas, o jornalista Eugênio Bucci narra sua saga em levar à Radiobrás o conceito de empresa pública. Não conseguiu.
*Texto de Suely Caldas, Jornalista, é professora da PUC-Rio
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