De acordo com a visão de mundo de Putin, todas as ações são legítimas quando a língua falada por um número considerável de pessoas é a mesma do estado interventor. Assim, onde se fala inglês, por exemplo, é legítima qualquer intervenção da associação EUA-Grã Bretanha ou de cada um deles isoladamente. Afinal, porque deveria essa inovativa atitude do Presidente russo se restringir apenas às fronteiras da Europa Oriental, não é mesmo? Convenhamos que os leitores hão de concordar que o mapa resultante abaixo tem um apelo considerável.
Quando Vladimir Putin justificou a anexação russa da Criméia ucraniana sob o argumento básico de que devia dar proteção às pessoas que falam o idioma russo em todos os lugares onde possam existir, a imprensa ocidental teve uma visão sombria dessa linha de argumentação, ressaltando que uma vez que as fronteiras linguísticas não coincidem com as geográficas dos atuais países, tal doutrina levaria o mundo ao caos. Pode-se, agora, reconhecer que tal abordagem, para as relações internacionais, está eivada de um conservadorismo deplorável.
Uma vez que o Ocidente de orgulha de respeitar as fronteiras nacionais em busca de uma maneira de tentar fazer com que os povos e países se entendam a partir de suas próprias soberanias, temos que encontrar meios efetivos de agarrar pelos chifres o touro bravio do putinismo radical e eliminá-lo da face da Terra.
Mas, a título de curiosidade mórbida, tentamos redesenhar as fronteiras do mundo de acordo com a visão e os argumentos de Putin. Achamos que os leitores vão concordar que o mapa resultante tem um apelo considerável.
Sob a ótica de Putin, as coisas se parecem bastante com as antigas potências coloniais. Portugal recupera o Brasil, a Espanha a maior parte do resto da América Central e do Sul e a França a maioria da África Ocidental, o que provavelmente seria bom para a população local, uma vez que muitos dos seus governos atuais não passam de ditaduras e regimes policiais disfarçadas ou não de democracias.
Um reino escandinavo poderoso se reunificaria, incluindo a Finlândia, embora o idioma finlandês seja muito diferente das línguas escandinavas. Mas, como a língua sueca é a segunda língua da Finlândia, caberiam todos esses países num renascimento do Império Viking com fortes razões para trazer o tipo de fusão de “paz”, assente em valores culturais compartilhados, pelos quais são tão famosos.
Uma Arábia unificada se estenderia desde o Atlântico até o Oceano Índico, ao longo do litoral sul do Mar Mediterrâneo, englobando todos os países da África Meridional. Poderia haver uma disputa encarniçada entre sunitas, xiitas, cristãos, e adeptos de “noções arcaicas de nação”, mas, unidos por uma língua comum, os árabes não teriam maiores motivos de se desentenderem e, afinal, viveriam bem e deixariam em paz o minúsculo – mas longe de ser insignificante – estado de Israel, especialmente se eles forem capazes de se unir para peitar os persas do Irã - falantes de outro idioma do outro lado do Golfo, apesar de algumas semelhanças religiosas.
As duas Coreias se tornariam apenas uma, o que poderia ser uma boa coisa, pelo menos para a parte do Norte, caso a ditadura de Pyongyang não se impusesse ao sistema democrático e capitalista do sul.
Uma vez que o idioma hindi e o urdu são misturas tão mutuamente inteligíveis do sânscrito e do persa, Índia e Paquistão poderiam se unificar numa única potência, o que, ao que parece, não poderia ocorrer por força militar, sob pena de herdarem um imenso território devastado e vazio, o que não seria satisfatório, nem levando em consideração os seus problemas demográficos... Tendo em vista que a existência de armas nucleares de ambos os lados, as tratativas binacionais nesse sentido seriam extremamente tensas, o suficiente para que deixassem de lado a precedência linguística e continuassem a se aferrar às suas limitações geográficas.
O melhor de tudo, a Grã Bretanha recuperaria os EUA e reedificaria seu antigo império anglo-saxão, incluindo todos os países de língua inglesa esparramados pelo mundo. Isso colocaria, obviamente, Barack Obama numa prestigiosíssima posição — a de ‘Guardião do Saco de Lã’, digamos assim — e um bonito uniforme. A Inglaterra, entretanto, poderia ter que abrir mão de algumas ruas de Londres dominadas por oligarquias, bem como do Chelsea Football Club, para a Rússia. Uma mensurável minoria do staff da revista “The Economist” que também fala russo, bem que gostaria de aclamar o Sr. Putin como protetor prévio das próximas negociações salariais.
Haveria, no entanto, um obstáculo imprevisto. A consolidação dessa nova ordem liguistico-geográfica seria prejudicada por movimentos de independência, ora linguísticos ora geográficos. Dezenas de segmentos iriam buscar suas soberanias por serem enclaves, por exemplos, do idioma mandarim chinês e, principalmente, do idioma japonês. Uma terra maia talvez criasse uma Maialândia autônoma na América Central. A Suazilândia proclamaria a sua independência na África. Os astecas militariam na planície de Yucatán no México para reconstruírem o seu famoso império em torno das ruínas de Tenochtitlán.
O mundo, de mais de 7 bilhões de pessoas – que falam mais de 7.000 línguas – sofreria uma pulverização em micronacionalidades. Inclusive na Rússia onde mais de 100 línguas e dialetos são falados hoje.
Talvez, pensando bem, o Sr. Putin deve parar por aí mesmo, enquanto ele está no lucro da comunidade internacional tolerar a aceitação de sua anexação da península da Crimeia, já que o idioma proto-indo-europeu não parece ser o suficiente para manter o mundo unificado e vivendo em paz.
Para encerrar essa pequena digressão, segue abaixo, um gráfico que mostra a evolução do idioma raiz, proto-indo-europeu, provavelmente falado, mas não escrito, no mundo conhecido há mais ou menos cinco milênios antes de Cristo, e que gerou quase todos os idiomas falados hoje no mundo:
*Francisco Vianna, com Mídia Internacional, via Grupo Resistência Democrático.
Nenhum comentário:
Postar um comentário