sábado, 5 de fevereiro de 2011

A falácia sindical lulista

Por Fernando Alves de Oliveira
                    
Ao cabo de oito anos, afinal, qual o saldo favorável do Governo do ex-operário e líder sindical, exatamente na esfera que serviu de catapulta à sua vida política, alçando-o à presidência do País pela vontade popular?
Lamentavelmente, após dois mandatos, a resposta isenta é única. Favorável, nenhum. Pernicioso, muito.  O sindicalismo chafurdou ainda mais no movediço plano da incredulidade, que de há muito se acha relegado. E só não foi –e nem continua sendo- dimensionado em sua real intensidade perante a opinião pública porque os holofotes midiáticos persistem em não focar o tema sindical, produto da Era 40, originário do ditador Vargas e de um Brasil colonial inteiramente inverso ao gigantismo da atualidade e da modernidade das relações do Trabalho.
Ao invés de assear e revigorar seu empobrecido e desmoralizado estado de indigência, quer no campo institucional, como –e de forma primordial- nos âmbitos moral e ético, suas ações foram profundamente nefastas ao sistema, de vez que o presidente Lula preferiu trafegar pela contramão, contemplando não a sociedade para a qual deveria governar, mas  à facção composta por seus ex-colegas. Exemplo maior disto foi o episódio da oficialização das centrais sindicais fora do contexto de uma outrora anunciada ampla e completa reforma sindical, que, além de não se confirmar, culminou na cessão de generoso aporte de novos recursos do Estado.
Com efeito, perderam a coletividade sindical representada pelos contribuintes das entidades sindicais –que são os reais financiadores e beneficiários do sistema- e a sociedade como um todo. Ganharam os interessados na preservação do status quo, os privilegiados agentes operativos do mercado sindical do setor laboral, seus ex-colegas, justamente a quem cabe o dever de servirem e não o de serem servidos. Mais uma consumação de deslavada e vergonhosa inversão de valores.
Embora a prova maior disso seja recorrente para a vanguarda sindical, de vez que assunto foi objeto de profundos comentários anteriores, abordado em profundidade que foi em meu último livro e, à época de seu acontecimento, no artigo específico “O (provado) retrocesso sindical no Governo Lula”, continuo sendo um dos poucos, senão o único, a ter a coragem de denunciar o engodo, de vez que a grande mídia calou-se ante a desfaçatez desse logro, materializado entre as edições das PECs-252/2000 e 369/2005. A primeira, de maio/2000, dois anos e meio, antes do PT ascender o Poder. A segunda, de 2005, já como Governo. Ambas escritas e subscritas pela mesma mão. A de Ricardo Berzoíni. A primeira, como deputado federal e a outra já como ministro do Trabalho do governo Lula.
Aos que –ainda- não tomaram conhecimento disso, eis apenas um trecho (e só para ficar nele) das preciosidades escritas e subscritas pelo Governo que prometeu -entre várias outras modificações saneadoras da legislação sindical- extinguir a contribuição sindical obrigatória: “(...) A unicidade e a contribuição compulsória são exemplos de uma estrutura que não mais condiz com a realidade da classe trabalhadora, hoje mais dinâmica e consciente. A Constituição de 1988, embora tenha trazido alguns avanços e proclamado alguns princípios para o movimento sindical, ainda manteve a forma corporativa de organização inaugurada na Era Vargas, que coloca o sindicato à sombra da ação estatal. Valendo-se dessa estrutura anacrônica, alguns sindicatos desprovidos de qualquer legitimidade, sobrevivem em razão das contribuições compulsórias e da visão protecionista do Estado. (...)”.       
Destarte, o que ficou consagrado foi uma completa antítese do escrito e assinado.
Em contraposição, Lula foi rápido e direto ao mote que interessava. Oficializou e alimentou de forma generosa as centrais sindicais, até então entes espúrios na legislação sindical e que até então eram sustentadas pelas próprias entidades sindicais. Para isto, não foi necessário implantar a prometida “reforma sindical para valer”, conforme o petismo se comprometera quando na oposição e que o faria quando se tornasse Governo.
Mas não foi só a legalização que importava, mesmo que gritantemente fora do contexto originariamente concebido. O mais importante era formalizar a concessão de novos e fartos recursos do Tesouro. Ainda que ao arrepio da Constituição. Foi dessa forma que as centrais sindicais foram contempladas com a metade do valor que o ministério do Trabalho recebe do rateio de cada contribuição sindical paga pelo trabalhador. Assim, ao invés de 20%, o Ministério do Trabalho passou a ficar com 10%, repassando a metade. Óbvio e evidente que não demorará a conceder os restantes 10%. A gula dessa gente é conhecida. É absolutamente insaciável.  
Claro que a CUT, braço direito do PT, ficou com a maior parte do bolo desse rateio sindical. Como tal, cabe a indagação legítima e pertinente: o que são as centrais senão um contingente que dá respaldo político e eleitoral a quem paga por seus “serviços”? Quais as suas reais serventias em relação ao trabalhador, ao contribuinte do sindicato? Claro que o STF foi instado e até hoje julga a constitucionalidade desses repasses, só que com o conhecido vagar de nosso sistema Judiciário. É mais uma querela do Governo Lula que, como outras, competirá à corte do Supremo Tribunal Federal decidir.
Assim, se é discutível a tese da prevalência da contribuição obrigatória para o financiamento do modelo sindical brasileiro, está comprovado com letras garrafais que, ao longo destes setenta anos, esses recursos foram sendo desvirtuados, passando a ser a fonte de todos os vícios e mazelas de um sistema corrompido.
Atentem ao absurdo constitucional. A contribuição sindical tem características de tributo, pois está amparada pelo artigo 149 da CF como sendo de âmbito parafiscal. Contudo, não pode ser fiscalizada pelo Estado, pois a mesma Constituição Federal prescreve no inciso I do artigo 8º que o Estado não poderá imiscuir-se na vida sindical. Quando esse ardil constitucional será revisto? Essa revisão Interessa aos donatários do feudo?
Em conseqüência, após novembro de 1988, a fiscalização da aplicação desses recursos ficou ao sabor das próprias entidades, através de seu órgão estatutário competente (Conselho Fiscal). Ou seja, sindicalista fiscalizando colega... Claro que isso só ocorre quando há disputa interna e na inexistência de conchavos e de “composições amigáveis” entre as partes...
É inegável que o ainda sustenta o financiamento do sindical laboral é o preceito de lei contido na legislação prevalecente e que obriga o empregador a descontar do empregado o valor correspondente e o repassar (sob pena de incidir em gravames) ao sindicato profissional correspondente. Numa única frase: a empresa é um agente gratuito e garantidor da cobrança e do repasse do valor da contribuição que sai do bolso do empregado.
No tocante ao sindicalismo patronal, em que fica ao livre arbítrio da empresa efetuar ou não o recolhimento à entidade sindical patronal representativa de sua categoria econômica, obviamente que a saúde financeira dessas entidades está fortemente debilitada pela crise de identidade existente. Só agora seus dirigentes estão acordando para a realidade que outrora os recalcitrantes sempre preferiram ignorar: a de que chegaria o tempo dos recursos minguarem. Somente agora e diante de uma crise financeira que ameaça engolfar de vez o sistema, fala-se abertamente na absoluta necessidade de adoção do associativismo, como fórmula redentora. Antes, mera opção. Hoje, inegável e absoluta necessidade! Forma alternativa de sobrevivência e desenvolvimento, sem a presença do Estado.

Portanto, é profundamente gratificante constatar que o setor de vanguarda do patronato envereda, finalmente, pelo rumo do associativismo como fórmula redentora. Ainda mais auspicioso é tomar conhecimento de trabalhos em profundidade das principais confederações patronais, especialmente o elaborado pela CNI, sob o título “O associativismo em foco”, que embasa e reafirma tudo aquilo que tenho pregado ao longo de minha vida profissional como incansável cultor e praticante do associativismo e cujas teses podem ser comprovadas em meus livros, artigos e na palestra temática por mim produzida e apresentada em várias entidades e federações, pontificando de forma invariável que é o associativismo o fator gerador da união, indispensável para a consolidação de um sistema que o tempo e as circunstâncias desfavoráveis tornaram-no combalido.
Tanto isto é verdade que hoje, salvo raras e honrosas exceções, a tendência crítica generalizada é o de conceituar o sindicato como um órgão estático e antipático, que se limita a arrecadar recursos impositivos.
Assiste, pois, inteira razão ao deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) que, por ocasião do último Encontro Nacional da Indústria, realizado recentemente em São Paulo, afirmou que no Governo de Dilma Rousseff não haverá reforma sindical enquanto estiver na pasta do Trabalho o ministro Carlos Lupi, que, diga-se de passagem, vem se permitindo à prática de legislar através da edição de sucessivas Portarias, obrigando os prejudicados, como ora ocorre com as entidades do patronato, a valer-se do Judiciário. Caso específico da Portaria 982, em que a Justiça Federal em São Paulo suspendeu sua vigência, de vez que pela Lei (que o ministro insiste em querer modificar por simples atos administrativos) os sindicatos estão vinculados a entidades superiores -de acordo com a atividade econômica e consoante o capitulado na CLT- e não por vontade de filiação. Foi o que ocorreu com seu último e desditoso documento acima citado, em que ele resolveu submeter, ao arrepio da Lei e da Constituição, uma nova forma de partilha da contribuição sindical recebida pelas entidades do patronato.

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