quarta-feira, 13 de julho de 2011

A República no espeto.

Por  que a prática de fatiar o governo em troca de apoio político perdura  até hoje e como acabar com ela antes que a corrupção acabe com o Brasil.
Por Otávio Cabral na Revista Veja:
Dois meses antes da eleição de 2010, o então candidato a vice da petista Dilma Rousseff, Michel Temer (PMDB), reuniu senadores e ministros em torno de uma mesa em Brasília.
Antes de o jantar ser servido, pediu a palavra e anunciou em tom solene:
"Estamos aqui partilhando este pão, assim como partilhamos este governo e estaremos no futuro partilhando o governo com a presidente Dilma".
Se não brilhou pelo conteúdo cívico, a fala de Temer ao menos teve o mérito da sinceridade.
Ao usar três vezes o verbo partilhar, o hoje vice-presidente da República estava apenas lembrando a futura presidente de que o Brasil é mais ou menos como o porco no rolete que ele saboreou na semana passada numa quermesse de Brasília, ao lado de ministros e parlamentares: uma peça gorda com orçamento farto, cujos pedaços são distribuídos aos partidos na mesma proporção do apoio que eles oferecem ao governo.
Assim se faz no Brasil há anos, assim se segue fazendo.
Mas até quando e a que preço?
O governo Dilma Rousseff conta com a maior base de apoio no Congresso desde a redemocratização. A aliança reúne 17 partidos e quase 80% dos deputados e dos senadores.. Dividem o mesmo balcão ruralistas e ambientalistas, patrões e  sindicalistas, comunistas e evangélicos.
Para manter essa base unida  - e saciada –, o  governo paga caro, como demonstrou o último escândalo envolvendo o PR.
O partido que indicou Alfredo Nascimento para o Ministério dos Transportes é “dono” da pasta desde o primeiro dia do governo Lula. E, graças a uma excrescência da máquina governista brasileira, tem as garras profundamente fincadas nela.
Há no atual governo mais de 25000 cargos de confiança, que independem de concursos públicos e podem ser preenchidos livremente por indicação política.
Nos Estados Unidos, cargos semelhantes não chegam a 5000.
Na França, são 1000.
Na Inglaterra, em torno de 100.
Como os demais partidos agenciados com gordas "fatias" do orçamento, o PR faz o uso que bem entende das nomeações que lhe cabem.
Assim, os critérios adotados pelas siglas, não necessariamente técnicos e quase sempre políticos, redundam em dois tipos de contratação: a que prima pela ineficiência técnica e a que se destaca pelo talento em comandar negociatas e cobrar propinas destinadas a irrigar o caixa dois de seus partidos.
Trata-se de um aparelhamento que foge de qualquer controle.
Alfredo Nascimento e quatro assessores caíram na semana passada?  Não importa.
O PR indicará o próximo ministro e manterá centenas de funcionários que sabem de cor a receita da corrupção e ineficiência que empesteia o transporte brasileiro desde o início da era Lula.
"O governo Dilma vive em um cenário econômico favorável, tem uma oposição que coopera, mas esse sistema de loteamento provoca crises permanentes.
É um erro que não se corrige", avalia o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília. 
Fatiar o governo e distribuir os nacos em troca de apoio político é no Brasil um hábito tão tradicional quanto a feijoada aos sábados.
Antes do regime militar, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek nomeavam políticos aliados, mas isso não era a única forma de construir maiorias. Na ditadura, nomeações de prefeitos e governadores eram uma maneira de saciar os caciques políticos locais.
Mas foi com a chegada de José Sarney à Presidência que cargos e verbas se tornaram os ingredientes principais da receita do relacionamento entre os partidos e o Legislativo.
Para abrir o apetite dos dissidentes da ditadura que aderiram ao seu governo, Sarney distribuiu cargos nas antigas estatais e nos ministérios.
Antonio Carlos Magalhães, chefe do PFL baiano, tornou-se o babalorixá do Ministério das Comunicações e serviu concessões de rádio e TV à vontade a parlamentares que votavam com o governo.
Sarney e ACM levaram os métodos da política do Maranhão e da Bahia para Brasília. Dessa forma, o clientelismo virou o prato feito da política brasileira. Fernando Collor, mais por autos suficiência do que por convicção, não cedeu tanto ao fisiologismo, o que ironicamente contribuiu para a sua rápida combustão.
Itamar Franco retomou o costume aos poucos. Fernando Henrique Cardoso deu espaços preciosos do governo a grandes partidos, como PMDB e PFL, mas não negociou no varejo.
Foi com Lula que a prática do clientelismo atingiu o paroxismo.
O antecessor de Dilma iniciou o governo distribuindo cargos para amigos sindicalistas e petistas derrotados.
Para conter as grandes crises, como a do mensalão, não hesitou em retalhar o governo de forma que, juntadas, as partes loteadas formassem a maior base de apoio do Brasil democrático.
Essa base ajudou a eleger Dilma presidente. 
 Ao assumir, Dilma deu sinais de que mudaria a receita indigesta herdada do antecessor.
 Congelou o pagamento de emendas e cozinhou em fogo brando as nomeações.
Mas bastou a primeira engasgada no Congresso para que voltasse à antiga dieta política.
Como num regime severo, não é suficiente cortar um excesso aqui e ali.
É preciso transformar um comportamento – e, no Brasil, isso só acontecerá quando diminuir radicalmente o número de cargos loteáveis, de forma que, nas trocas de governo, não exista a possibilidade de substituir servidores eficientes por apadrinhados políticos cujo trabalho se limita a alimentar a gulodice de seus partidos.
E que fome eles têm. 

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