Katharine Hepburn certa vez disse: “A vida é dura e um dia acabará nos matando”.
Talvez por ser idoso, sempre que posso, observo as pessoas idosas ao meu redor. E, também, as crianças. Embora viva no Vale do Paraíba, considerado uma região que muitos chamam de ‘primeiro mundo’, não é difícil, aqui e ali, constatar as dificuldades que idosos e crianças enfrentam no seu dia a dia. Tanto em casa como na rua.
Outro dia, enquanto observava um grupo de moleques a correr descalços e sujos pelas avenidas movimentadas a mendigar trocados dos motoristas parados nos sinais de trânsito, pude reparar a dificuldade de uma senhora de muita idade em atravessar a avenida, mesmo estando na faixa de pedestres e com o sinal verde para ela. Ela hesitava e, claramente, tinha dificuldades de enxergar e de se locomover.
O que me deixou ansioso não foi a impossibilidade de sair do meu carro para ajudar aquela senhora provecta a atravessar a via, mas sim a insensibilidade das pessoas que estavam ao seu redor e que pareciam incapazes de reconhecer aquele pequeno grande drama da vida urbana. Somente quando abri a porta do carro e gritei para os passantes que a acudissem, foi que um deles resolveu se prontificar para ajudá-la.
Segui meu caminho e vi, pelo retrovisor, que a senhora agradecia efusivamente ao rapaz que a havia ajudado na travessia.
Numa mesma cena urbana, pude testemunhar e reconhecer que idosos e crianças parecem ser um contingente humano muitas vezes esquecido e descartado pela sociedade. Fiquei imaginando o quanto existem desses anciãos confinados em asilos e esquecidos por seus familiares, bem como da legião de crianças sob a circunstância de serem educadas e instruídas por pais que não têm educação ou instrução mínima suficiente para tal.
Fico então pensando no que possa faltar ao povo brasileiro para que suas crianças e velhos vivam, afinal, com mais dignidade. Somos irresponsavelmente omissos e criminosamente alheios ao que ocorre com essa gente descartada. A própria estrutura familiar vem sendo sistematicamente aviltada e descaracterizada ao ponto de se tornar incapaz de cuidar de seus idosos e de suas crianças.
Então surge a figura do estado, como um padrasto geralmente incompetente e até genocida. Basta ver como o estado lida com a administração da previdência social, da saúde, e da educação e do ensino das pessoas mais pobres desse país. E é com base nesses fatos que cada vez me convenço mais de que o problema reside no tipo de cidadania desqualificada que temos no Brasil. Fico pensando no tipo de representação política que tal cidadania desqualificada é capaz de conseguir. Certamente a de representantes igualmente desqualificados, tanto técnica como moralmente. Terminamos sendo governados não pela elite, mas pela escória da sociedade.
Mais do que nunca, convenço-me de que o descarte dessa gente pela família e pela sociedade só deixará de existir quando a qualidade da cidadania melhorar substancialmente, tanto sob o aspecto educacional como instrutivo.
Estou convencido de que, se a condição de cidadania, fosse restringida apenas a quem completasse o segundo grau de escolaridade e educação, passando todas as demais pessoas à condição de dependentes de um cidadão, de um grupo de cidadãos, de empresas, de instituições criadas para esse fim e, finalmente, do organismo do estado, o produto final seria uma sociedade brasileira muito melhor e muito mais capacitada a fazer surgir em poucas décadas uma da maiores – senão a maior – potências do mundo.
Francisco Vianna, por e-mail, via resistência democrática.
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