Por Reinaldo Azevedo:
Escrevi na segunda-feira um post demonstrando por que considero irresponsável o discurso da presidente Dilma Rousseff na ONU no que respeita à questão israelo-palestina.
Não vou repisar argumentos.
Meu ponto neste post é outro.
É inacreditável que a política externa brasileira seja vítima de uma obsessão: contrapor-se aos EUA, pouco importa o que pretenda aquele país: o Brasil acerta e erra na sua intervenção internacional sempre por maus motivos.
Se os EUA estiverem certos, o Brasil atua de modo estúpido para demonstrar que é independente. Se os EUA estiverem errados, o Brasil age de modo prudente para demonstrar que é independente.
Aquele que tem a pretensão de demonstrar independência pouco importando o que queira o interlocutor, se o certo ou o errado, comporta-se como escravo de sua liberdade.
Ora, tenham paciência!
Como pode um país como o Brasil, que tem uma importância mediana no mundo e exerce considerável liderança na América Latina, endossar a reivindicação palestina na forma como vem? A representação oficial palestina abriga hoje o Hamas e sua postulação essencial, que ainda não mudou: destruir Israel. Está escrito. “Ah, mas não atuam nesse sentido…” Não? Atuam, sim, dentro do que lhes é possível fazer. Quando mais for possível, mais farão. É o que indica a história do lugar. Sem um acordo bilateral, acatar a reivindicação palestina corresponde a uma aposta na violência. Para se contrapor aos EUA, o governo brasileiro já mergulhou fundo na abjeção - veja-se o caso de Honduras: investiu-se numa guerra civil, que, felizmente, não aconteceu.
O mundo, como tenho afirmado aqui, não é plano. Em seu discurso, Dilma repudiou a violência com que as ditaduras árabes têm tratado os protestos, mas também censurou a intervenção externa nesses países. Vocês sabem muito bem o que penso a respeito. Não estou entre os “encantados” com a “Primavera Árabe”.
Uma das “flores” do Egito, por exemplo, é o incêndio de casas e de igrejas dos cristãos. Houve efetiva colaboração de egípcios com terroristas palestinos em recente atentado no sul de Israel. A embaixada israelense no Cairo foi destruída diante da passividade cúmplice do novo governo. Na Síria, as minorias religiosas não-islâmicas já perceberam que, se o sanguinário Bashar Al Assad cair, sobrevirá a perseguição. Na Líbia, um dos chefões do staff militar é um ex-jihadista.
Mais um pouco: a atuação de EUA, França e Grã-Bretanha na Líbia desrespeitou a resolução da ONU de maneira flagrante, escancarada, vergonhosa até. A Otan deu seqüência ao trabalho, rasgando a cada dia o texto aprovado. Comece-se pelo óbvio: as potências estrangeiras entenderam que “proteção a civis” significava proteção aos adversários de Kadafi, mas não aos aliados. Os insurgentes também massacraram seus adversários de modo impiedoso. Contra a resolução, forneceram-se armas aos ditos rebeldes, e houve, obviamente, a tentativa de matar Kadafi. Há dias, como num desses filmes B, Nicolas Sarkozy e David Cameron apareceram para posar de libertadores. Com a devida vênia aos analistas que acreditam que a democracia cai da árvore da vida, acho que as (im)potências estão é colaborando, no médio prazo, com o extremismo islâmico. Se eu estiver errado, ficarei feliz. Se eu estiver certo, o mundo ficará infeliz…
Prestem atenção: nesse particular, eu ficaria satisfeito em poder chamar de “prudente” a atuação do Brasil. Eu não tenho razões, digamos, filosóficas para preferir os carniceiros de Benghazi ao ex-carniceiro de Trípoli. Vista a coisa em perspectiva, não é do meu interesse filosófico que o extremismo islâmico ganhe uma face humana. Pois bem. E por que a minha insatisfação? Porque a escolha feita pelo Brasil nada tem a ver com essa mirada de mais longo prazo.
A abordagem do Itamaraty foi bronca, simplista, boçal:
“O que querem os EUA?
“O que querem os EUA?
Estão atuando para derrubar aqueles regimes?
Estão!
Então a gente é contra.
Afinal, precisamos provar a nossa independência!”
E faço aqui uma nota à margem: a estupidez é de tal ordem que o Brasil houve por bem integrar um grupo para “dialogar” com Bashar Al Assad…
Que coisa!
É mais uma evidência de que o Itamaraty não escolhe a prudência.
Seu único norte é o antiamericanismo.
E é essa mesma postura que leva o país a se posicionar, mais uma vez, contra Israel. Trata-se de uma política externa que não distingue o erro do acerto. E é assim porque ela não é autônoma. Depende da escolha que faz o seu suposto adversário — como se houvesse mesmo essa polaridade. É o samba-do-nanico-doido.
E só para encerrar: é curioso que algumas vozes que censuram severamente o Brasil por não integrar, moralmente ao menos, os esforços de “democratização” da Líbia, da Síria ou do Egito se calem diante da postura de Dilma no caso do conflito israelo-palestino. Fica parecendo que o antimaericanismo brasileiro é ruim quando não coincide com o que eles pensam, mas é bom quando coincide.
Tudo bem pesado, tem-se a impressão de que o Itamaraty só acerta quando se posiciona contra Israel.
Talvez esses analistas devam investigar mais a fundo essa inclinação anti-israelense para saber se ela não deriva de algo que antecede em muito a própria existência de Israel…
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