Vou falar francamente: uma Thatcher, hoje, seria perfeita para o Brasil. Mas uma Thatcher em grande estilo: líder de partido, ganhando eleições com uma agenda liberal. Seria bom até para modernizar a cultura esquerdista amplamente dominante no país. Isso aconteceu na Inglaterra e, nos 80 e 90, em boa parte do mundo, inclusive no Brasil. Precisava acontecer de novo.
A longa administração conservadora de Margaret Thatcher fez o trabalho, digamos, sujo de demitir funcionários excedentes, cortar gastos públicos, controlar o poder dos sindicatos de empresas estatais (e depois privatizá-las), além de desregulamentar a economia, reformar a legislação trabalhista e reduzir a pesada burocracia do Estado.
Depois de um início custoso, com greves e desemprego em alta, funcionou. Com investimentos privados, o país voltou a crescer e gerar emprego e renda. Não por acaso, Thatcher ganhou três eleições seguidas.
Quando veio o desgaste até normal da administração conservadora, o serviço principal estava feito, a quebra do imenso, custoso e já ineficiente Estado do Bem-Estar. Aí veio Tony Blair com a suave conversa do “Novo trabalhismo”: retomada dos investimentos públicos em educação, saúde e segurança, mas em uma economia livre, aberta e competitiva.
Os eleitores foram trocando, conforme a ocasião. Elegeram o Partido Trabalhista no pós-guerra, que instalou o Estado do Bem-Estar, depois fartaram-se dos excessos desse modelo, que estatizava tudo de grande que via pela frente, como disse Churchill, e finalmente entregaram o poder para Thatcher desmontar tudo. E aí devolveram o governo à esquerda, mas uma esquerda reeducada.
Já entre nós, quando o eleitorado comprou a ideia de que era preciso desmontar o Estado excessivo e abrir a economia, porque só produzíamos carroças protegidas, acabou elegendo Fernando Collor, cuja agenda correta para o momento não resistiu ao caixa de PC. E terminou que a agenda liberal caiu no colo de Fernando Henrique.
FHC não liderou um movimento dentro de seu partido e junto aos aliados para construir uma agenda comum de reformas. Para dizer francamente, pelo menos no começo, foi tudo no vai da valsa. As trapalhadas seguidas de Itamar Franco acabaram jogando o Ministério da Fazenda no colo de FHC. Aí valeram a sabedoria e aguda percepção política do professor, que definiu logo o inimigo imediato — a superinflação — e escalou a equipe certa para atacá-lo.
Então, foi na sequência: para consolidar o combate à inflação, era preciso controlar o déficit das contas públicas, para o que eram necessárias as reformas, incluídas as privatizações. A agenda liberal se impôs no calor dos acontecimentos.
Daí as dificuldades de implementação. Não foi como na Inglaterra, com propostas bem definidas. Aqui, FHC, vindo da esquerda, eleito com base nas novíssimas notas de um real, precisou construir essa agenda momento a momento.
Excetuada a equipe econômica, quase ninguém entre seus colaboradores e seguidores estava preparado para a missão. Tratava-se de uma elite intelectual criada nas ideias socialistas e social-democratas, que viu ruir o Muro de Berlim e alcançou o poder em um mundo em que só existia capitalismo — e numa fase de liberalismo à americana ou “thatcherista”.
Além dessa turma, havia os velhos políticos, todos acostumados a viver em torno do Estado, fonte de nomeações, privilégios e bons negócios. Visto assim, a gente até se espanta de ver quanto o governo FHC avançou na agenda modernizadora.
Mas, é claro, não terminou o serviço. E parte desse serviço, eis outra peça do destino, ficou para o governo Lula. É a origem de nossos problemas atuais, o eleitorado se cansou de uma agenda liberal antes que ela tivesse sido completada. E elegeu um governo propondo mudar tudo para a esquerda, mas topando com os entraves causados justamente pela não conclusão da agenda liberal.
Daí o Lula do primeiro mandato. Manteve as bases macroeconômicas de FHC e ainda avançou em reformas micro claramente liberais e pró-negócios, sem reestatizações. De certo modo, os dois governos acabaram bem parecidos: construir alianças a meio do caminho para implementar reformas difíceis.
Depois, mais seguro, Lula parou com as reformas e começou a voltar para a agenda da velha esquerda estatizante, movimento agora claramente tomado pela presidente Dilma — e com os velhos políticos Estado-dependentes.
Tudo considerado, eis o que sempre nos faltou: uma boa direita, moderna, capaz de ganhar uma eleição com uma agenda liberal e implementá-la rigorosamente. E depois abrir espaço para uma boa esquerda, também moderna, que se eleja para fazer o seu serviço, que é gastar com educação, saúde e segurança. Mas gastar com eficiência e sem atrapalhar a economia privada.
*Carlos Alberto Sardenberg, O Globo
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