Evo Morales, brandindo uma truta, inaugura criadouro no Rio Silala que
Chile diz ser ilegal.
Além da perda de acesso ao oceano
Pacífico que resultou da Guerra do Pacífico, entre o Chile e a
Confederação Peru-Bolívia entre 1879 e 1883, a Bolívia agora represa o rio
Silala para a criação de trutas, num curso d’água considerado internacional
pelo Chile, o que segundo os chilenos, torna a prática ilegal.
Evo
Morales, o presidente cocaleiro da Bolívia inaugurou na quinta feira de ontem
um criadouro de trutas construído por militares em Potosí (Bolívia), na
fronteira com o Chile, utilizando as águas do chamado ‘manancial’ do Silala
que, segundo afirmou, “não é um rio internacional como assegura o governo
vizinho, mas binacional, com cada país soberano quanto a parte que o toca.
A decisão de Morales de inaugurar o criadouro de trutas em Queteba, no rio
Silala próximo à fronteira com o Chile, eleva a pressão que já existe nas
tensas relações entre os dois países.
Para a Bolívia, as águas do ‘manancial Silala’, foram desviadas artificialmente
para o território chileno e, portanto, a Bolívia “tem o direito de se
aproveitar delas”, enquanto que o Chile argumenta que “se trata de um rio
internacional cujo curso não deve ser interrompido ou represado”.
A instalação de criadouros de trutas nas águas do Silala (ao sudoeste do país)
tende a acentuar a ameaça boliviana de levar o Chile perante o Tribunal
Internacional de Haia por causa de sua reivindicação centenária de recuperar o
acesso ao oceano Pacífico, perdido na guerra de 1879.
Situação das fronteiras entre Peru e Chile com a Bolívia antes da Guerra
do Pacífico (esquerda) e situação atual (direita). A guerra do Pacífico,
vencida contra a confederação Peru-Bolívia, onde os chilenos chegaram a tomar a
cidade de Lima, capital do Peru, deixou a Bolívia sem os mais de 2 mil
quilômetros de costa no Pacífico.
Na cerimônia de inauguração de ontem no povoado de Quetena, a uns dois
quilômetros da fronteira com o Chile, o presidente boliviano disse: “Temos a
obrigação de exercer nossa soberania sobre nossos recursos naturais, no caso,
as águas do Silala”, na presença de autoridades civis e militares, locais
nacionais.
O projeto pretende a criação de até 21.000 trutas para o abate, com uma geração
máxima de 5.400 kg dessa carne de peixe por ano, o que deverá garantir empregos
e segurança alimentar às populações dessa região montanhosa dos Andes, de
escassos recursos agropecuários. A fase inicial – inaugurada por Morales – é
composta de seis piscinas de piscicultura cuja administração estará a cargo de
uma unidade militar acantonada na área. Na fase em que se encontra, o projeto é
muito mais simbólico do que ameaçador, uma vez que ainda não afetará
substancialmente o caudal do rio que flui para o norte de Chile e que se destina
ai consumo humano.
Na verdade, existe a intenção não ocultada de complementar a iniciativa estatal
com outras iniciativas, como a instalação de uma fábrica de engarrafamento de
água e uma usina hidrelétrica, além do desvio das águas do rio até a Laguna
Colorada, a 10 km de distância do local.
O senador governista, Eduardo Maldonado, que é nativo dessa região, disse no
Congresso boliviano que, “em termos quantitativos, não existe uma real
modificação no volume e na qualidade de água que irá fluir para o lado chileno,
mas isso deve ser apenas o início da concorrência entre novas e futuras
iniciativas (...) em benefício do país com diferentes usos do rio”.
Já o Governador do Estado de Potosí, Félix Gonzales, argumentou que “desde há
mais de cem anos, o Chile tira proveito das águas do Silala e a Bolívia não
recebe nem um centavo sequer do uso dessas águas que nascem em território
boliviano”. Gonzáles sugeriu que, com tais empreendimentos, “a Bolívia
tentasse “secar as águas do Silala” para que o caudal do rio não chegue ao
Chile” e com isso obrigar Santiago a reiniciar uma suspensa negociação pelo
pagamento do seu uso. Santiago alegou que trocaria a quitação de metade de uma
dívida histórica boliviana pelo uso definitivo das águas.
Durante sua peroração, o Governador de Potosí reivindicou o direito da Bolívia
de voltar ao oceano Pacífico “com soberania”, possibilidade que as autoridades
do Palácio de La Moneda têm rechaçado firmemente. Diferentemente de Gonzáles, o
presidente Morales não fez alusão explícita ao tema marítimo, mas se referiu à
integração regional, que segundo o governo do altiplano é obstaculizada pela
renúncia do Chile em outorgar uma saída soberana ao mar à Bolívia. “Temos que
começar a planejar como recuperar nossa água do rio Silala para que preste
serviço ao povo boliviano; é a nossa água”, explicou Morales às autoridades
presentes.
Em linguagem figurada, alegou que “a Bolívia deve ir ‘fechando a torneira’ do
Silala gradualmente”, com novos projetos de aproveitamento de suas águas.
Bolívia e Chile não dispõem de relações diplomáticas e nas últimas semanas têm
trocado duros argumentos com relação ao centenário do contencioso marítimo. O
Parlamento boliviano aprovou recentemente a retirada da cláusula de reserva do
Pacto de Bogotá de 1948, que habilita a Bolívia a levar a causa aos tribunais
internacionais, não apenas a da demanda de um acesso soberano ao Pacífico, mas
também resolver as diferenças com seu vizinho sobre o uso das águas do rio
Silala. La Paz alegaria, além disso, perante tal tribunal uma regulamentação
sobre o uso das águas do rio Lauca, cujo caudal foi desviado unilateralmente
pelo Chile na década de 1960.
* Francisco Vianna, por mail, via
Grupo Resistência Democrática
Nenhum comentário:
Postar um comentário