Se a mídia pode dizer o que pensa e uma Constituição lhe afiança que nada - lei alguma - poderá constituir embaraço ao exercício de informar, que tipo de ameaça os Conselhos estaduais de Comunicação poderiam representar à liberdade de expressão em nosso País?
Nenhuma, se levarmos em conta que a Constituição traduz a vontade soberana de um povo e a ela o Estado se submete; todas, se esse princípio for quebrado e permitir, em linguagem popular, que a moda pegue e se criem, aqui e alhures, mecanismos semânticos que indiquem muito além do que simples controles, mas uma forma velada de cerceamento a essa liberdade - numa palavra, censura.
O que não seria uma novidade em nossa história, considerando que desde o reinado de Dom João VI, quando Hipólito José da Costa contrabandeava jornais contrários à Corte, a censura se presta, dentre outras perversidades, à tentativa de se instituir uma imprensa "chapa-branca" para bajular governantes.
Como a história anda aos saltos, a Constituição de 1988 finalmente decretou o fim da censura imposta por sucessivos atos institucionais do período de exceção. É o artigo quinto que assegura a liberdade intelectual, de expressão e de imprensa. Por sua vez, é o artigo 220 que veda "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística".
Nos limites da lei, por não existir direito absoluto, e até os direitos sagrados à vida e à liberdade se esmaecem frente, respectivamente, à legítima defesa e à prisão por ato criminoso.
Contudo, há situações que nos levam a refletir e nos manter vigilantes quanto ao tema, tais como a de veículos de comunicação - jornais principalmente - que sustentam sofrer censura ou algum tipo de cerceamento das atividades de seus profissionais. E a série de iniciativas legislativas objetivando à criação dos ditos Conselhos estaduais de Comunicação para monitorar e fiscalizar a imprensa.
Em que pese nobres intenções por trás do gesto de seus formuladores de "propor sistemas para a democratização da informação", o objetivo desses Conselhos é mesmo de fiscalização. Um eufemismo, talvez.
A liberdade de expressão é condição básica para o perfeito funcionamento do Estado democrático de Direito e iniciativas açodadas como essas afrontam direitos fundamentais. Vale dizer, se forem levadas a cabo serão passíveis de questionamento junto ao Supremo Tribunal Federal em eventual propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Revela-se, ainda, contraditório que se pretenda dar ao Executivo a possibilidade de interferir na produção intelectual, pois, sendo seu objetivo final promover o desenvolvimento e o bem-estar dos cidadãos, esse desenvolvimento e esse bem-estar dependerão, sempre, do grau da liberdade existente. A lição vem de Spinoza.
Quanto menor for o controle do Estado sobre a mente, melhor para o cidadão e para o próprio Estado. Pois quanto maior for o esforço do governo para limitar a liberdade de expressão, mais obstinada será a resistência a ele. As leis contra a liberdade de expressão, portanto, subvertem a própria legislação, na medida em que as pessoas não irão respeitar leis que não possam criticar.
Não por menos, a Ordem dos Advogados do Brasil vem adotando um posicionamento crítico diante dessa questão. Além das várias lacunas legais identificadas nas propostas, há que se levar em conta o que pensa o cidadão anônimo sobre o tema - afinal, a liberdade de expressão é seu, meu, nosso patrimônio. Pertence à Cidadania, não pertence ao Estado, nem mesmo aos veículos de comunicação, nem aos intelectuais, jornalistas, advogados, ou quem quer que seja; conquistada, ela não pode, jamais, ser consentida.
Sem necessidade de lembrar a literal advertência proverbial de São Bernardo, de boas intenções o inferno está cheio, mas elas podem nos levar a fins muito diferentes daquilo que esperamos.
*OPHIR CAVALCANTE JUNIOR é presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.
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