sábado, 8 de janeiro de 2011

A grande família

Não há explicação para o Itamaraty ter concedido, no apagar das luzes do governo Lula, passaporte diplomático para os filhos do ex-presidente. De acordo com as regras em vigor, o único inciso que poderia ser alegado para a mordomia seria o que trata de "interesses do país". Mas está claro que tais facilidades atendem só a interesses dos pais, nunca do país.
Talvez a confusão semântica não seja gratuita, uma vez que Lula sempre adorou metáforas que identificassem o Brasil como uma espécie de assunto particular. Dilma era a mãe do PAC, o povo era a sua família etc. Enquanto a prática denunciava apenas populismo estilístico, até ia. O problema é quando a licença verbal abre as portas para misturar o público com o privado.
No caso, a situação beira o escárnio. Todos sabem o calvário que é, no Brasil, conseguir ou renovar um passaporte comum. Quando finalmente tem acesso ao documento, o cidadão ainda tem de gramar mais um bom tempo atrás de visto. Com a palavra aqueles que tentam, por exemplo, viajar para os EUA.
A dupla Marcos Cláudio e Luís Cláudio, porém, está dispensada desse tipo de vicissitudes. Os dois nunca foram eleitos, nunca trabalharam para o governo, nunca representaram o Brasil. Só ficaram conhecidos pelas sucessivas estripulias propiciadas pelo parentesco presidencial, fora os negócios frequentemente nebulosos. A carteirada diplomática parece estar em sintonia com esse currículo.
Claro, muitos vão dizer que o assunto é miudeza diante de realizações da gestão Lula. Mas, queira-se ou não, no fundo, no fundo, o que está por trás de tal comportamento é a mesma matriz ética que consagrou o antigo "rouba, mas faz".
O problema não é o montante envolvido, mas a filosofia de um governo. Para dissipar fantasmas, a presidente tem uma ótima oportunidade para mostrar que não é um clone. Basta cassar o privilégio e mandar os Cláudios pegarem a fila como qualquer brasileiro.
* Ricardo Melo - Folha de São Paulo - 07/01/2010

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