domingo, 28 de outubro de 2012

O Rio é lindo e a Prefeitura bondosa.

ONG de matador recebe R$ 28 mil por viciado em crack internado
POR JOÃO ANTONIO BARROS
Rio - As casas amplas, bom quintal, mas com aspecto de abandono, paredes descascadas e desbotadas, localizadas em bairros pobres do Rio de Janeiro ganharam perfil de Zona Sul. Pelo menos na planilha da Casa Espírita Tesloo. Na prestação de contas à Prefeitura do Rio de Janeiro, a ONG justificou o pagamento mensal de R$ 13 mil com o aluguel de três humildes imóveis onde funcionam os centros especializados de atendimento à dependência química, em Guaratiba. No bairro de Cinco Marias — onde estão os abrigos — uma residência simples e espaçosa custa R$ 60 mil e os aluguéis nunca ultrapassam os R$ 1 mil. E olha que a prefeitura paga — e muito — para cuidar das crianças e adolescentes vítimas das drogas: só no ano passado desembolsou R$ 3,5 milhões — em média R$ 28 mil por menor — à Tesloo.

Major Magalhães foi alvo de investigação por suspeita de integrar milícia | Foto: Reprodução
Major Magalhães foi alvo de investigação por suspeita de integrar milícia | Foto: Reprodução
A suspeita de irregularidades nos aluguéis dos imóveis — onde nem o contrato de locação foi apresentado — e o elevado custo para manter as crianças nos abrigos foram algumas das razões que levaram o presidente do Tribunal de Contas do Município, Thiers Vianna Montebello, a recomendar esta semana à Secretaria Municipal de Assistência Social que não faça novos contratos e nem renove os atuais convênios mantidos com a Casa Espírita Tesloo.

O prazo é até a conclusão da auditoria nas contas da ONG, presidida pelo major reformado da PM Sérgio Pereira de Magalhães Júnior — um recordista em autos de resistência e que acumula 42 mortes em confronto com supostos bandidos, como O DIA mostrou ontem com exclusividade.

Os contratos da Tesloo com a Prefeitura do Rio, todos sem licitação, somam R$ 80 milhões desde 2005. Oito estão em vigência e, destes, três, em fase final, ainda dependem da prestação de contas.

O relatório do TCM indica irregularidades em quase todos os convênios firmados para administrar os centros de acolhimentos de dependentes químicos, como superfaturamento em alimentos e nos produtos de limpeza e higiene. Há suspeita do uso de recibos falsos para encobrir desvios de verba, como a compra de cinco molhos de salsa por R$ 64,50, e possíveis notas fiscais frias — emitidas pela Cerealista Amazonas Ltda com a descrição de produtos que ela nunca comercializou.

Foto: Arte O Dia
Foto: Arte O Dia
A análise dos técnicos do TCM mostram que a Casa Espírita Tesloo apresenta custo incompatível com os serviços prestados. E anexam a vistoria feita pela Prefeitura do Rio nos abrigos de Guaratiba e Campo Grande, quando diagnosticou a falta de prontuários e guias de recolhimento atualizados dos menores internados, ausência de médicos listados como funcionários e a precária manutenção dos prédios e do mobiliário dos centros.

Freixo critica falta de profissionais do ramo na ONG

A reportagem de O DIA, com a denúncia do envolvimento do major reformado Sérgio Pereira de Magalhães Júnior na morte de 42 pessoas em supostos confrontos, repercutiu ontem na Assembleia Legislativa. O presidente da Comissão de Direitos Humanos, o deputado Marcelo Freixo (Psol) considera que a Tesloo, apesar de gerir cinco centros especializados em dependência química, é dirigida por pessoas sem especificidade e sem quadro técnico compatível com a necessidade do enfrentamento ao crack.

“Não é um valor pequeno (contratos entre a ONG e a prefeitura). Tudo se justifica pelo drama que o crack representa aos olhos da opinião pública. E não se pode justificar tudo em função do dano causado por uma droga — não há nem um estudo que aponte o número de pessoas viciadas em crack no Rio, hoje”, criticou, em plenário
.

Foto: Carlos Moraes / Agência O Dia
Abrigos funcionam em casas alugadas por valores superiores aos de mercado. Além disso, alguns contratos não foram apresentados ao Tribunal de Contas do município | Foto: Carlos Moraes / Agência O Dia
Para a deputada Janira Rocha (Psol), a política de internação compulsória de jovens usuários de drogas é “fachada para a higienização da cidade”. Segundo ela, a Secretaria de Assistência Social exibiu pesquisa mostrando que 18% dos jovens recolhidos nas ruas eram usuários de drogas. Janira revelou que o governo empregou este ano menos da metade da verba destinada ao tratamento de dependência química. “Dos R$ 29 milhões aprovados, 36% foram usados, segundo alertou o deputado André Corrêa em debate no plenário. E para 2013, a proposta orçamentária do governo é reduzir 40% da verba”, afirmou ela.

Recadastramento virou apenas um relatório

Um dos convênios da Tesloo na lista negra do Tribunal de Contas não é sobre atendimento a usuários de drogas, mas para a atualização de 408 mil famílias do cadastro único, feito pela prefeitura dos programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família. A ONG, que nunca prestou este tipo de serviço, ganhou o contrato de R$ 9.687.841,10, em setembro de 2011. Após sete meses do prazo final da entrega dos documentos, a Tesloo enviou apenas um relatório incompleto e com menos da metade da tarefa realizada. Não constava nem a quantidade de funcionários contratados para a execução do trabalho.

Major alega que matou 42 em legítima defesa

O major reformado Sérgio Magalhães alegou ontem que as 42 mortes citadas na edição do DIA ocorreram em confronto e que agiu em legítima defesa. Garantiu que na 33ª DP (Realengo) ratificou sua posição contrária à ação de milícias e que criou a Tesloo para ajudar a reverter o “quadro degradante da dependência química” no Rio. Sobre a orientação do TCM para a prefeitura não renovar os contratos com a Tesloo, a ONG explicou que não se pronunciará enquanto não for notificada pela Secretaria de Assistência Social. Ontem, o prefeito Eduardo Paes não quis comentar a reportagem.

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