– Sabe a última do português?
– Não, não sei. E como meu avô era de Trás-os-Montes, o senhor está detido por flagrante de racismo antilusitano. Teje preso!
– Não, não sei. E como meu avô era de Trás-os-Montes, o senhor está detido por flagrante de racismo antilusitano. Teje preso!
O diálogo é fictício, mas não está longe o dia em que ele poderá se tornar real. Não é de hoje que a onda do politicamente correto vem podando com cortes cada vez mais curtos a manifestação de um sentimento tão antigo quanto necessário em nossas vidas: o bom humor.
Outro dia mesmo eu publiquei um chiste (como se diz em Portugal) sobre isso.
Repito-o:"A cartilha do politicamente correto prega que devemos rir "com a pessoa" e não rir "da pessoa".
Pensando nisso, eu convidei o Negão, o Judeu, o Português, a Bicha, o Fanho, o Anão, a Loura, o Papagaio, o Juquinha e o Bocage para assistirmos juntos ao Zorra Total. Nenhum deles aceitou o convite."
Ao que tudo indica a minha brincadeira não gerou muitos risos. Acontece até com os melhores humoristas, por que não aconteceria comigo? Devo confessar que escrevi a piadinha pensando muito mais em defender um ponto de vista do que em provocar risos. Eu havia acabado de ler a notícia de que pais de portadores de autismo estavam furiosos com o humorista Marcelo Adnet, que satirizou um programa de TV no quadro "Casa dos Autistas". Os tais pais correram para a imprensa ameaçando medidas judiciais contra a MTV por conta da brincadeira. Busquei pelo vídeo no You Tube, até para saber se havia mesmo alguma razão para tanta gritaria, mas haviam sido retirados do ar. Tamanho zelo por parte dos pais de autistas me impede até de saber se eles têm razão.
Isso aconteceu há algumas semanas. Mas hoje soube de mais uma celeuma provocada por uma piada. O humorista Danilo Gentili postou em seu Twitter o seguinte: "Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô.A última vez que chegaram perto de um vagão, foram parar em Auschwitz". Para quem não sabe o que gerou a brincadeira (será que alguém ainda não sabe?) eu recapitulo: a associação de moradores de Higienópolis colocou-se contra a construção de uma estação de metrô no bairro, alegando entre outras coisas que "não desejam a presença de pessoas diferenciadas em suas ruas". Eles mesmos explicariam depois o que entendem por "diferenciados": drogados, pivetes e ambulantes. Tamanha imbecilidade chamou a atenção de paulistanos daquele e de outros bairros, que resolveram protestar com (olha ele aí de novo!) humor.
Outro dia mesmo eu publiquei um chiste (como se diz em Portugal) sobre isso.
Repito-o:"A cartilha do politicamente correto prega que devemos rir "com a pessoa" e não rir "da pessoa".
Pensando nisso, eu convidei o Negão, o Judeu, o Português, a Bicha, o Fanho, o Anão, a Loura, o Papagaio, o Juquinha e o Bocage para assistirmos juntos ao Zorra Total. Nenhum deles aceitou o convite."
Ao que tudo indica a minha brincadeira não gerou muitos risos. Acontece até com os melhores humoristas, por que não aconteceria comigo? Devo confessar que escrevi a piadinha pensando muito mais em defender um ponto de vista do que em provocar risos. Eu havia acabado de ler a notícia de que pais de portadores de autismo estavam furiosos com o humorista Marcelo Adnet, que satirizou um programa de TV no quadro "Casa dos Autistas". Os tais pais correram para a imprensa ameaçando medidas judiciais contra a MTV por conta da brincadeira. Busquei pelo vídeo no You Tube, até para saber se havia mesmo alguma razão para tanta gritaria, mas haviam sido retirados do ar. Tamanho zelo por parte dos pais de autistas me impede até de saber se eles têm razão.
Isso aconteceu há algumas semanas. Mas hoje soube de mais uma celeuma provocada por uma piada. O humorista Danilo Gentili postou em seu Twitter o seguinte: "Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô.A última vez que chegaram perto de um vagão, foram parar em Auschwitz". Para quem não sabe o que gerou a brincadeira (será que alguém ainda não sabe?) eu recapitulo: a associação de moradores de Higienópolis colocou-se contra a construção de uma estação de metrô no bairro, alegando entre outras coisas que "não desejam a presença de pessoas diferenciadas em suas ruas". Eles mesmos explicariam depois o que entendem por "diferenciados": drogados, pivetes e ambulantes. Tamanha imbecilidade chamou a atenção de paulistanos daquele e de outros bairros, que resolveram protestar com (olha ele aí de novo!) humor.
Programaram um "churrasco diferenciado" na porta do Shopping Higienópolis, onde pretendem demonstrar "os hábitos e gostos dos diferenciados".
A coisa poderia ter parado por aí e este carioca que vos fala até pensou em viajar para participar da manifestação (e de quebra matar as saudades dos amigos de São Paulo). Mas a infiltração de alguns idiotas, tão preconceituosos e inconsequentes quanto aqueles "indiferenciados", gerou um fenômeno bastante conhecido na internet: o antissemitismo.
(Perdoem-me se continuo dando explicações, mas elas são necessárias) Explico: Higienópolis é um bairro com uma grande incidência de moradores judeus. Daí para pespegarem nos judeus a responsabilidade pelas infelicíssimas declarações da associação local foi um pulinho: "Por isso eu não gosto de judeus", exclamou um na página do Facebook onde se buscavam adesões para o churrasco-protesto. "O nome é Higienópolis, mas o correto seria forno de cremação, já que lá é lotado de Judeus", disse outro, desta vez via Twitter. E no meio disso tudo, eis que surge Danilo Gentili e toca numa corda perigosa: Auschwitz.
(Se já tive que dar um monte de explicações acima, não vou perder o nosso tempo explicando que sou judeu, que perdi parentes no Holocausto, que tenho amigos sobreviventes de Auschwitz etc. etc. Tampouco vou desfiar meu longo rosário de brigas contra negacionistas do Holocausto [alguns ainda respondendo processo criminal]. Aliás, só toquei nessas questões pela mera obrigação de situar o meu leitor no contexto da coisa. Não quero falar de Holocausto. Quero falar de humor.)
Querem a cabeça de Danilo Gentili por conta dessa piada. Por um lado eu acho perfeitamente compreensível, pois há anos que os judeus do mundo inteiro convivem com as mais rombudas demonstrações de antissemitismo na web. E essas demonstrações têm os mais diferentes pretextos: o conflito entre Israel e os palestinos, a crise mundial,"antissionismo" (essa ficção) e mais um caminhão de et ceteras. Acontece que não estamos mais falando de meros palpiteiros internéticos, mas de um humorista popularíssimo. E sendo ele um humorista, me vem à cabeça a velha pergunta: "Qual é a credibilidade do palhaço?"
Gosto muito de rir. E detesto na mesma proporção aqueles que tentam categorizar o humor, colocando-o em diferentes prateleiras: "Humor inteligente", "humor engajado", "humor popular"... Vão todos pra casa do chapéu, oras!
A coisa poderia ter parado por aí e este carioca que vos fala até pensou em viajar para participar da manifestação (e de quebra matar as saudades dos amigos de São Paulo). Mas a infiltração de alguns idiotas, tão preconceituosos e inconsequentes quanto aqueles "indiferenciados", gerou um fenômeno bastante conhecido na internet: o antissemitismo.
(Perdoem-me se continuo dando explicações, mas elas são necessárias) Explico: Higienópolis é um bairro com uma grande incidência de moradores judeus. Daí para pespegarem nos judeus a responsabilidade pelas infelicíssimas declarações da associação local foi um pulinho: "Por isso eu não gosto de judeus", exclamou um na página do Facebook onde se buscavam adesões para o churrasco-protesto. "O nome é Higienópolis, mas o correto seria forno de cremação, já que lá é lotado de Judeus", disse outro, desta vez via Twitter. E no meio disso tudo, eis que surge Danilo Gentili e toca numa corda perigosa: Auschwitz.
(Se já tive que dar um monte de explicações acima, não vou perder o nosso tempo explicando que sou judeu, que perdi parentes no Holocausto, que tenho amigos sobreviventes de Auschwitz etc. etc. Tampouco vou desfiar meu longo rosário de brigas contra negacionistas do Holocausto [alguns ainda respondendo processo criminal]. Aliás, só toquei nessas questões pela mera obrigação de situar o meu leitor no contexto da coisa. Não quero falar de Holocausto. Quero falar de humor.)
Querem a cabeça de Danilo Gentili por conta dessa piada. Por um lado eu acho perfeitamente compreensível, pois há anos que os judeus do mundo inteiro convivem com as mais rombudas demonstrações de antissemitismo na web. E essas demonstrações têm os mais diferentes pretextos: o conflito entre Israel e os palestinos, a crise mundial,"antissionismo" (essa ficção) e mais um caminhão de et ceteras. Acontece que não estamos mais falando de meros palpiteiros internéticos, mas de um humorista popularíssimo. E sendo ele um humorista, me vem à cabeça a velha pergunta: "Qual é a credibilidade do palhaço?"
Gosto muito de rir. E detesto na mesma proporção aqueles que tentam categorizar o humor, colocando-o em diferentes prateleiras: "Humor inteligente", "humor engajado", "humor popular"... Vão todos pra casa do chapéu, oras!
Só existem dois tipos de humor: com graça e sem graça. Cabe a cada um definir em termos pessoais se a piada é boa ou ruim. Tem quem consiga morrer de rir assistindo à "Praça é Nossa" e tem quem me acha um completo imbecil por não perder nem uma edição do "Pânico na TV". E daí?
Agora os meus amigos e parentes judeus querem colocar o Danilo Gentili no Tribunal de Nurenberg. Curiosamente, eles não demonstram o mesmo empenho em combater pessoas que negam o Holocausto a sério. No Brasil temos partidos políticos oficiais que têm o antissemitismo como programa fundamental. No Brasil temos articulistas de grandes jornais que não perdem uma oportunidade de atacar aos judeus em suas colunas. No Brasil temos uma massa anônima e financiada por grupos políticos que aparelha portais de internet e publicam as coisas mais absurdas impunemente. Mas toda a nossa frustração e revolta só se acendem contra o palhaço, cuja credibilidade no final das contas é zero.
O pior de tudo é que essas manifestações justiceiras sempre eclodem naturalmente (e por razões justas, convém repetir) e as entidades representativas da Comunidade Judaica demoram às vezes dias para se manifestarem. Como o corno da piada, nossas federações israelitas são sempre as últimas a saberem e resolvem a coisa tirando o sofá da sala. É provável que dada a grita contra Danilo Gentili nós vejamos daqui a algum tempo alguma declaração de um desses nossos "pequenos maiorais", tão inflada e brilhante quanto um pastel de vento, prometendo "medidas cabíveis" que jamais virão.
Enquanto apupamos o bobo da corte, nossos reizinhos desfilam nus, sem que haja um único menininho capaz de perceber isso. Ao dedicarmos tanto de nossa energia contra a piada do Gentili, esquecemos dos imbecis anônimos que escreveram aquelas cretinices acima.
Eu acho profundamente lamentável que estejamos tão empenhados em caçar piadas enquanto há coisas bem mais sérias a nos ameaçar. E se nós judeus, que tanto soubemos rir de nossas próprias desgraças, estamos desaprendendo essa maravilhosa forma de defesa, o que será do riso quando outras "minorias" resolverem nos imitar? Piada de português? Proibida! Piada de loura burra? Inadequada! Piada de fanho? Processo!
Fico imaginando o dia em que o sujeito vai cruzar as grades de uma cadeia sob a acusação de possuir uma gravação daqueles velhos LPs de piadas do Costinha.
O mundo perfeito do politicamente correto vai morrer de tédio, casmurro e burro como uma velha madre superiora.
Agora os meus amigos e parentes judeus querem colocar o Danilo Gentili no Tribunal de Nurenberg. Curiosamente, eles não demonstram o mesmo empenho em combater pessoas que negam o Holocausto a sério. No Brasil temos partidos políticos oficiais que têm o antissemitismo como programa fundamental. No Brasil temos articulistas de grandes jornais que não perdem uma oportunidade de atacar aos judeus em suas colunas. No Brasil temos uma massa anônima e financiada por grupos políticos que aparelha portais de internet e publicam as coisas mais absurdas impunemente. Mas toda a nossa frustração e revolta só se acendem contra o palhaço, cuja credibilidade no final das contas é zero.
O pior de tudo é que essas manifestações justiceiras sempre eclodem naturalmente (e por razões justas, convém repetir) e as entidades representativas da Comunidade Judaica demoram às vezes dias para se manifestarem. Como o corno da piada, nossas federações israelitas são sempre as últimas a saberem e resolvem a coisa tirando o sofá da sala. É provável que dada a grita contra Danilo Gentili nós vejamos daqui a algum tempo alguma declaração de um desses nossos "pequenos maiorais", tão inflada e brilhante quanto um pastel de vento, prometendo "medidas cabíveis" que jamais virão.
Enquanto apupamos o bobo da corte, nossos reizinhos desfilam nus, sem que haja um único menininho capaz de perceber isso. Ao dedicarmos tanto de nossa energia contra a piada do Gentili, esquecemos dos imbecis anônimos que escreveram aquelas cretinices acima.
Eu acho profundamente lamentável que estejamos tão empenhados em caçar piadas enquanto há coisas bem mais sérias a nos ameaçar. E se nós judeus, que tanto soubemos rir de nossas próprias desgraças, estamos desaprendendo essa maravilhosa forma de defesa, o que será do riso quando outras "minorias" resolverem nos imitar? Piada de português? Proibida! Piada de loura burra? Inadequada! Piada de fanho? Processo!
Fico imaginando o dia em que o sujeito vai cruzar as grades de uma cadeia sob a acusação de possuir uma gravação daqueles velhos LPs de piadas do Costinha.
O mundo perfeito do politicamente correto vai morrer de tédio, casmurro e burro como uma velha madre superiora.
* Por Victor Grinbaum, jornalista, radialista, Fundador e ex Coordenador da ARTISION - GRUPO BRASILEIRO DE ARTICULAÇÃO SIONISTA
Nenhum comentário:
Postar um comentário