Por Cristiane Alkmin Schmidt:
A China, segunda maior potência mundial e com uma taxa de crescimento do PIB de mais de 10% ao longo de pelo menos 20 anos, certamente é um grande jogador internacional. Toda política que ela implemente afetará a economia global, seja pelo fluxo de comércio, seja pelos preços relativos de diversos ativos financeiros, ou seja, por seu exército de trabalhadores — cada vez mais urbanos e qualificados. Dado que a China mudará sua estratégia para os próximos cinco anos, que reflexos se sentirão no Brasil?
Há 15 anos, o governo chinês coordenou de forma eficiente sua política macroeconômica, baseado-se em um modelo exportador para o crescimento interno. Com meta clara e objetiva, o governo usou todos os instrumentos de política (como juros baixos e incentivo à poupança) para cumpri-la. Seu sucesso, assim, não pode ser questionado.
Meta alcançada, o governo agora tem outro foco: o aumento do bem-estar da população. No dia 12 de março, Hu Jintao (presidente) e Wen Jintao (primeiro-ministro) entregaram ao Congresso Nacional do Povo o 12º plano quinquenal (2011 a 2015). Este se sustenta no tripé: crescimento interno moderado e voltado para o mercado interno, inclusão social e desenvolvimento verde. Isto é, o governo, depois de produzir o bolo, deseja reparti-lo melhor. Quer promover educação, saúde, proteção social e segurança aos cidadãos, com crescimento menor, conciliando-o com a sustentabilidade do meio ambiente.
Aceita em abril pelo Congresso, a China promete ao mundo significativas mudanças, além das que já iniciou. Mirando esses novos objetivos, o salário mínimo em termos reais aumentou 20% em 2010, percentual que deve se repetir em 2011.
O governo espera criar 54 milhões de empregos nas cidades até 2015, sendo 9 milhões em 2011 e construir mais de 35 milhões de moradias para baixa renda. Para isso, já estão sendo estabelecidas metas que incluam redução de consumo de energia fóssil e de emissão de gases poluentes. Além disso, os gastos em P&D deverão crescer de 1,5% para 2,5% do PIB, indicando que, em futuro próximo, o fator de competitividade não será o baixo custo da mão de obra, mas o alto nível tecnológico. Espera-se que 100 mil graduados passem a se formar ao ano.
O impacto dessas decisões não deve ser menosprezado. Mais ricos, os chineses consumirão mais comida (grande parte importada), produtos industrializados (na maioria produzidos na própria China, que deve refletir em menor exportação chinesa de manufatura), entre outras mudanças. Assim, a inflação global deverá continuar pressionada nos próximos anos.
Com a inflação chinesa anual em 5,5%, é possível que o yuan se valorize em termos reais em relação ao real. Com maior demanda por energia limpa, é possível que o etanol brasileiro — mais barato que o americano, que é à base de milho — seja a vedete da vez. Com a ampliação de casas populares, a forte demanda por cimento e commodities metálicas não deve arrefecer. E, com uma sociedade mais rica, a demanda por commodities agrícolas deve seguir firme. Por esses pontos, o Brasil só tem que festejar.
Por outro lado, a conjunção de uma população mais educada e rica, uma indústria mais organizada, mais tecnológica e menos tributada, um governo capaz de organizar-se bem no tocante ao cumprimento de metas, sendo menos burocrático e mais accountable, poderá converter-se em um problema para o Brasil. Apesar de a China ser o principal parceiro comercial brasileiro, o inverso não é verdadeiro: a China é mais importante para o Brasil do que o contrário. Sem mencionar a diferença gritante da pauta comercializada: o Brasil exporta matéria-prima e a China exporta produtos manufaturados. É uma assimetria que deve ser levada em conta.
Além disso, há um problema que afeta a todos. Hu e Wen querem crescer menos (7%) e manter a inflação mais estável (3%). A primeira parte pode ser alcançada, mas quanto à segunda, há dúvidas. Além da pressão global dos preços das commodities, há uma forte pressão interna por oferta, devido ao aumento de salários acima da taxa de crescimento do PIB. O BC chinês aumentou o recolhimento compulsório e os juros, limitou o crédito, mas a inflação segue subindo.
A nova ordem chinesa, portanto, terá importantes impactos globais. O fato de a China ter mudado suas metas provoca mais uma incerteza no cenário internacional para o Brasil, além de todas as demais existentes. Esse é mais um motivo para o governo brasileiro prezar por mais eficiência e planejamento, menos burocracia e mais accountability de suas metas para com a sociedade.
* Cristiane Alkmin Schmidt - Doutora em economia pela EPGE/FGV, professora da FGV e ex-secretária adjunta da Seae/MF
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