O governo Dilma Rousseff ainda não entrou em campo para o jogo principal. Poderá deixar sua estreia para perto do apito final. A saída de Antonio Palocci da Casa Civil mostrou até que ponto quase nada estava de relevante acontecendo no país. A mídia, que acompanhou todos os desdobramentos da crise ministerial com lupa, não conseguiu relatar um só projeto eventualmente prejudicado pela substituição do homem forte de Dilma.
A presidente aproveitou para mandar pescar seu ministro de Relações Institucionais: virou ministro da Pesca. Daqui a 12 meses estaremos de novo respirando eleições, desta vez municipais, e tornando mais complexo o já difícil diálogo do governo com sua suposta base de apoio no Congresso.
Por enquanto, o ano de 2010, o último de Lula, ainda não acabou. A economia segue empurrada pelos fatores exuberantes, mistura de sorte com competência, que determinaram o sucesso do líder petista. Ele é fruto de uma fortíssima expansão do crédito pessoal, da atuação dominante do BNDES na expansão de investimentos, da virada sensacional do mercado imobiliário e do surto exponencial do agronegócio. Este ano prossegue com a cara do anterior, embalado pelos mesmos fatores, mas não terá idêntico vigor daqui a alguns meses. Os motores da economia brasileira perdem força gradualmente – aliás, como quer e trabalha o Banco Central. O campeonato mundial dos juros altos já é nosso de novo.
O desafio da presidente é encontrar um caminho que não seja o de Lula: não depender tanto do crédito, que já endividou bastante a classe C emergente; não contar com a expansão imoderada do setor habitacional ou do agronegócio, que já conheceram seus ápices de valorização; nem mais com o BNDES, cuja margem de expansão de empréstimos está limitada. A cena futura aponta para uma indústria que já não cresce, diante de importações que ocuparam o pedaço, na esteira de um câmbio sem chance de sair da armadilha da apreciação excessiva. Bastaria, agora, um peteleco da economia internacional sobre o "Brasil maravilha" para fazer desandar nosso lindo bolo. Este cenário de risco está saindo da faixa do remoto improvável para o nível do possível provável.
Para que outro lado poderia o governo Dilma apelar, a fim de tornar o Brasil um pouco menos suscetível aos riscos crescentes das economias endividadas e em crise (Estados Unidos, Europa e Japão)? Surge a tese – dentro e fora do governo – de que o Brasil tem pouco a fazer além de aumentar seu alinhamento à economia chinesa, conformando-se com a dominância desta, e avançando mais rapidamente na especialização do país como supridor de commodities ao novo "centro do mundo".
A saída de Palocci mostrou até que ponto nada de relevante estava acontecendo no país
Não tenho a mínima simpatia por esse caminho. Mas é preciso admitir que estamos resvalando para dentro desse buraco. É questão de tempo até que tenhamos um deficit externo de US$ 100 bilhões, o que só aumentaria nossa dependência aos poupadores de fora – nesse caso, a própria China.
Nada indica, até o momento, algum rumo novo de política econômica interna que contrarie essa crescente vulnerabilidade ao modelo de dependência em que escorregamos, talvez sem decisão consciente da sociedade ou do governo.
A virada não poderá ser feita quando uma nova crise externa se instalar. Aí será tarde. Esta é a hora. A reforma urgente é a tributária e financeira (juros altos demais), em duas fases ou etapas.
A primeira, para corrigir o manicômio tributário, sem alteração das fatias de arrecadação nem a carga total, mas simplificando radicalmente o modo de tributar. Mais adiante, um esforço para reduzir a carga tributária e o nível do juro real, pela aprovação de um Conselho de Gestão Fiscal, previsto na lei de responsabilidade fiscal, mas jamais cumprido.
Se Dilma encontrar esse novo caminho, terá começado a governar para melhorar nosso futuro.
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